Para o XVII Congresso do PCA — Fanny Edelman
Camaradas,
Estou há cinco longas décadas neste Partido. Vivi, naturalmente, todas suas vicissitudes, todos seus erros e todos seus acertos. Sofri profundamente, porque estando fora do país, via de longe a política do PC durante a ditadura militar, e sentia uma necessidade imperiosa de uma mudança profunda nesta política; desta linha reformista expressada de modo tão desgraçado durante a ditadura militar, para que o Partido recuperasse seu caráter de força revolucionária.
A virada foi para mim um extraordinário fôlego de ar fresco, de renovação, de possibilidade certa de que o PC com essa virada de linha podia avançar no processo de construção da FLNS com vistas à conquista do poder. A direção do Partido que surge do XVI Congresso, e na qual fui integrada, considerou que não cabia a mim essa participação, me permitiu, seguir durante o curso destes anos e apreciar o esforço de uma direção jovem, de gente inteligente. Naturalmente, estas longas décadas anteriores ao XVI Congresso fizeram com que toda a influência a política dogmática que levamos durante um longo período, penetrasse profundamente em minha pele. E entendi ainda que vinha fazendo um esforço muito grande para superar essa crosta que tínhamos, para abrir caminho a um novo Partido.
Por isso afirmo hoje a legitimidade da discordância. Afirmo a necessidade e a possibilidade certa do pluralismo de opiniões, entendendo que este deve dar-se em um debate aberto, crítico e autocrítico e construtivo, o qual reivindico, e no Congresso poderei expressar de modo mais pleno, a partir do ponto de vista autocrítico, todas as responsabilidades que implicadas às Comissão Política do Partido.
De modo nenhum penso que este CC deva propor-se a adotar medidas administrativas a respeito do debate que estamos realizando. Mas creio, sim, que a moral e a ética revolucionárias devem garantir este pluralismo de opiniões e a legitimidade da discordância em um embate honesto e fraternal como condição irredutível para organizar a transparência de nosso debate. Nas reuniões prévias à última reunião do CC em dezembro, realizamos uma reunião da Comissão Política onde discutimos as questões que foram levadas ao CC. Apontamos nossas debilidades, fizemos uma lista de pontos cuja discussão se mostrada imprescindível, e todos concordamos que aquela reunião, presidida pela sinceridade, estava indicada a forja desta nova moral da qual temos falado reiteradamente. E entendia também que essa sinceridade e essa nova moral era uma expressão que compreendia o coletivo da Comissão Política e que tinha um espírito de superação. Um espírito aberto à crítica e autocrítica, ao debate sobre as debilidades coletivas e individuais, sobre as diferenças conceituais, sobre as avaliações distintas dos processos em curso, nos marcos da reafirmação da linha tirada no XVI Congresso, uma linha que certamente será enriquecida pelo XVII Congresso nesta etapa historicamente nova da vida nacional. Uma linha que é a razão de ser de nosso Partido.
Isto significava, o meu ver, uma grande franqueza e isto supunha, ainda, um avanço na coesão da direção como elemento essencial na aplicação de um projeto revolucionário sempre sob a ótima da crítica e da autocrítica. Quero dizer sobre isso que o documento elaborado por um grupo de camaradas, entre eles Cacho e Enrique, me parece que desqualificam muito as discussões que temos tido, as formulações que alcançamos, o esforço realizado na política frentista, até qualificar a FRAL, por exemplo, como uma enteléquia. Eu creio que há em todo este material uma análise muito unilateral do processo vivido pelo Partido desde o XVI Congresso, e acredito que há uma adjetivação que define opiniões e critérios, a meu ver, muito alarmantes: Voluntarismo, hegemonismo, elitismo, aparelhamento, medo e subestimação das massas, negação, a meu ver, do papel do PC. E nisto concordo com Rodolfo. Eu creio que os camaradas têm que ratificar ou retificar essas adjetivações e fundamentá-las seriamente. Creio que há uma grande dose de soberba neste documento. Sem isto não signifique a necessidade de um debate profundo das duas questões colocadas pelos camaradas quanto à existência ou não do PC e à identidade do PC.
Além disso, há um fato que, a meu ver, é muito grave e coloca uma situação absolutamente irregular: O “Proposta” segue sendo um órgão do CC? Ou se transformou num microfone deste grupo de camaradas a quem respeito muito, mas este não é o ponto, não é esta a tese de nosso Partido que deve servir de base à discussão do XVII Congresso. Isto é uma opinião sobre determinados problemas e devemos advertir que está havendo uma distorção. O eixo do debate no Partido é este documento e não as Teses. O respeito que merecemos mutualmente e especialmente o respeito que merece a militância do PC não se compadece nem com o conteúdo, nem com o procedimento adotado para expressar suas opiniões, questionamentos e propostas. Os camaradas elegeram canais alheios às normas do PC, com as consequências que conhecemos, que a meu ver agravaram a crise na qual estamos imersos. E permitam-se, devo dizer com toda franqueza porque é o que sinto: Creio que aqui há mais de um erro. Há falta de lealdade, e digo isso com muito pesar, pelo respeito que nutro pelos camaradas, entre eles Cacho e Enrique, integrantes da Comissão Política e da Comissão de Teses que tinham a seu alcance os trilhos corretos para fazê-lo.
Isto provocou uma agudização da falta de credibilidade de uma direção que deve conduzir a ação política junto ao debate do Congresso. Esta situação afetou a Comissão Política, a todo o CC e a nosso Secretário Geral. Devemos fazer um grande esforço coletivo para superar esta situação e impedir que o PC submerja em um internismo que pode chegar a expressões não desejadas, e que já é um fator de desestabilização da militância. Penso que o espírito deste deste CC deve ser o de superar em um esforço coletivo a desconfiança que se instalou entre nós, superar o alto custo que estamos pagando, tratando de fechar feridas em todo o processo de pré-congresso. Nossa discussão deve enveredar-se pelas vias correspondentes para que seja frutífera e enriquecedora, unida à prática política. Quero dizer, também, que a ruptura com o passado reformista e a construção de uma linha revolucionária como a adotada pelo XVI Congresso é um aprendizado nada fácil, quando devemos superar dogmatismos, esquematismos, requer consequência, paciência, tolerância. É preciso recorrer todo o processo político, econômico e social que viveu o país durante os poucos anos que nos separam do XVI Congresso e nossos próprios processos pessoais, abordando crítica e autocríticamente o balanço de um período tão complexo, para poder fazer um balanço realmente objetivo, desprovido de subjetivismo, em um período de agudização da crise do capitalismo dependente e no marco deste mundo em acelerado processo de transformação, construir uma direção coesa, quando o PC inicia a ruptura da uniformidade, para abrir caminho à aprendizagem de uma verdadeira cultura de debate não é um processo linear, pelo contrário, tem avanços, retrocessos, contradições e retificações. E é um processo que exige aprofundar a democracia interna, estar cada vez mais junto à militância, escutar atentamente sua voz, generalizar na direção coletiva as responsabilidades coletivas em todas as instancias, e a responsabilidade individual e dentro da linha e a orientação geral do PC cada organismo desempenhe sua capacidade, sua iniciativa e suas decisões. Uma democracia interna onde se colocam manifestações de maioria e minoria, devem estar sujeitas ao centralismo-democrático, levando em conta sempre a preocupação de Lenin em sua carta ao XIII Congresso do Partido Bolchevique de garantir a unidade do PC como uma das fontes essenciais de sua força. Todos temos uma consciência cabal das grandes provas que nos esperam e das grandes possibilidades que têm as forças revolucionárias. O desafio é enorme, e creio que nosso ideal comunista nos coloca a afirmação do PC, aberto à vida, esforçando-se para dar resposta aos novos tempos, para que continue sendo uma força política essencial na luta para cumprir os objetivos do XVI Congresso. Um PC cuja primeira identidade deriva de sua ideologia marxista-leninista, de seu caráter de classe, de sua política nacional patriótica, e de seu internacionalismo revolucionário. Sua identidade é sua própria vida, seu objetivo de eliminar para sempre a exploração do homem pelo homem, e avançar em direção ao socialismo. Assim eu sinto e confio que este ideal que nos une, que nos enriquece, superará a situação que hoje temos para avançar com plenitude e com o desenvolvimento de todas as nossas forças em direção ao XVII Congresso.
Boletim Interno do Partido Comunista da Argentina, nº 1, 1990