o que tu quiser eu vou buscar [2023]
Minha mãe morreu com o sonho que eu nasci e eu só peguei pra mim, tanto faz. Escutei ela assim, com a voz fraca, me falando tudo o que sempre me disse, me alertando mais uma vez para que eu não esquecesse do que realmente importa e para que ela, com ela mesma, não partisse sem tirar aquilo do peito. Eu já sei que os mortos não falam, e sei que seu pai havia lhe dito isso pouco antes de falecer lutando, também, contra uma doença ingrata.
Não conto mais com a sorte, e as pedras que não foram arremessadas por mim, as carrego no bolso com orgulho, sabendo que elas construíram dos trilhos do trem que cortam o estado ao chão sujo das grandes casas que tanto limpamos. Sou herdeiro dessas mãos calejadas, sou continuador dessa história escrita com sangue, e não arredo o pé daqui enquanto não vencer essa briga… por mim, por vocês e principalmente pelas nossas crianças.
Já sei, é claro, que as suas negativas pertencem a ti. Que os seus vícios, suas manias e trejeitos fazem todos nós virarmos os olhos. Já sei, também, que tudo isso é passageiro, e que nada disso apaga suas virtudes e diminui o tamanho continental do seu coração. Carrego tudo comigo. Suas qualidades e defeitos, que te pertencem, também são minhas, ainda que eu as queira despejar pelo caminho. Ainda que eu queira levar só o melhor de ti, vou fazer o possível pra que caiba tudo em minha mala de mão. Nossa casa está com a luz acesa, no mesmo morro, na mesma rua de terra, erguida em paredes sem reboco.
E eu vou continuar aqui, pelo caminho que você me mostrou como trilhar, caminhando, novamente e agora para sempre, somente com os meus pés. Pra construir todos os sonhos que tivemos. Pra esquecer todos os anos que passamos separados. Para enterrar contigo todo o nosso ódio e rancor. Para permitir viver comigo todo o amor que houver nessa vida.
Teylor Lourival.