O problema financeiro (IPM 709)

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6 min readNov 24, 2024

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Capítulo extraído do Inquérito Policial Militar nº 709, Volume II, coordenado pelo General Ferdinando de Carvalho e publicado pela Editora do Exército em 1966.

As atividades partidárias no setor financeiro do Partido Comunista Brasileiro são orientadas pelo “Regulamento das Finanças do Partido”. Existe na organização de todos os comitês um setor dedicado a esse mister. O regulamento citado declara:

“A atividade financeira do Partido, em todas as instâncias deste, tem como finalidade assegurar os meios necessários ao seu funcionamento e representa, simultaneamente, um instrumento para a sua formação ideológica, política e organizativa”.

O Partido considera assim o Setor de Finanças como um dos elementos essenciais para a sobrevivência da organização partidária. É com esses recursos financeiros que o Partido tem possibilidade de:

— manter o pessoal dirigente e funcionários que vivem exclusivamente para as tarefas partidárias. A maior parte do pessoal da alta direção é mantida pelo Partido. Todos os ativistas de grande operosidade não inteiramente mantidos pelo Partido. Os ordenados pagos pelo Partido são, em geral, muito baixos;

— custear a impressão de livros, panfletos e material de propaganda impresso;

— assegurar a manutenção da Imprensa do Partido (jornais, revistas, etc.) que, geralmente, não conta com verbas de publicidade. Embora inúmeras empresas auxiliem a Imprensa do Partido, nenhuma delas, comumente, consente na impressão de anúncios em jornais ou revistas tipicamente comunistas, para evitar os prejuízos do comprometimento público;

— custear a realização de Congressos, assembleias, conferências e outras reuniões partidárias de grande vulto. Para esses conclaves o Partido pode contar, muitas vezes, com auxílios oficiais de sociedades locais, dos governos estaduais ou federal, conforme sejam a política dominante e os motivos aparentes dessas reuniões;

— custear viagens, instalações e atividades de representações ou elementos destacados para determinadas missões do Partido.

O trabalho financeiro é considerado como uma atividade comum a todos os integrantes da organização. Diz o Regulamento:

“São elementos essenciais do trabalho de finanças do Partido:

a) A planificação do trabalho em cada Organização do Trabalho, segundo as suas próprias necessidades e as suas obrigações para com as instâncias superiores;

b) O caráter de massas da atividade financeira do Partido, isto é, da atividade que deve ser realizada pela massa de seus membros e apoiar-se na massa dos simpatizantes e nas massas da classe operária e dos trabalhadores em geral.”

Os planos financeiros que integram os planos de construção do partido prevêm as quotas que devem ser arrecadadas. Em determinadas ocasiões há necessidades de campanhas especiais para a consecução de fundos, principalmente os destinados à imprensa do Partido, sempre deficitária.

Como são constituídos os recursos do Partido? O regulamento prevê as seguintes fontes:

a) Contribuições mensais dos membros do Partido. Essa é uma parcela muito precária no cômputo geral;

b) Contribuições mensais dos simpatizantes. Essa parcela é bastante mais volumosa. Depende, entretanto da situação política dominante e da vigilância geral sobre as atividades partidárias;

c) Rendas resultantes das iniciativas financeiras das massas. Essas iniciativas abrangem bônus, rifas, contribuições, sorteios e inúmeros outros meios, ligados ou não às campanhas de arrecadação de fundos. Festas, piqueniques, espetáculos são também motivos para obtenção de recursos;

d) Donativos especiais;

e) Rendas resultantes de empreendimentos econômicos. Entre esses empreendimentos citam-se inclusive a exploração de casas comerciais e firmas do Partido, eventualmente em nome de um elemento qualquer;

f) Recursos financeiros provenientes do estrangeiro. Esses recursos podem ser destinados diretamente ao Partido ou terem uma finalidade específica como, por exemplo, auxiliar o movimento estudantil ou a realização de um Congresso Internacional.

O controle das finanças é, em geral, muito rigoroso. Tem ocorrido raros casos de desfalques ou malversação de fundos, o que é considerado falta extremamente grave.

A atividade financeira é para o Partido um índice de sua organização e de seu prestígio. A existência material do Partido Comunista é evidenciada pelos recursos que conseguem coletar.

Assim, a época mais fértil para obtenção de fundos é normalmente os períodos de eleições. Políticos de todas as correntes e partidos, procuram o Partido Comunista para disputar-lhe o apoio, a peso de ouro. Esse fenômeno se explica pela eficiência da máquina de agitação e propaganda que normalmente o Partido dispõe, pela sua capacidade de aliciamento de grandes massas de simpatizantes, pela sua combatividade e técnica de convencimento popular. O Partido não vale pelos votos que representa o seu efetivo, mas pelos votos que consegue carrear nas disputas eleitorais.

Nessas condições, o Partido exige, de um modo geral, uma substancial contribuição em dinheiro e em material de propaganda de parte dos candidatos que mereçam o seu apoio. É, por isso, muito comum que inúmeros políticos façam contribuições mensais para o Partido, sob o rótulo de doações de simpatizantes, visando obter a simpatia e a boa vontade das direções partidárias por ocasião das eleições.

Este assunto será mais bem desenvolvido em capítulo especial deste volume. No momento, queremos apenas ressaltar alguns aspectos quando declara textualmente:

“A atividade financeira partidária se apresenta em seus diferentes aspectos, como um reflexo vivo da realidade do Partido. Em particular, ela reflete:

a) As relações existentes entre o membro do Partido e a Organização a que pertence, assim como entre cada Organização partidária e o respectivo órgão dirigente;

b) As relações existentes entre os membros, Organizações do Partido, de um lado, e, de outro, os simpatizantes e as massas da classe operária e trabalhadoras em geral.”

OBRIGAÇÕES FINANCEIRAS DE MEMBROS, ORGANIZAÇÕES E DIREÇÃO DO PARTIDO

Todos os escalões do Partido têm obrigações nas contribuições e na arrecadação dos fundos partidários.

Cada membro do Partido deve “constituir em torno de si um grupo de simpatizantes contribuintes”. Cada organização, além do controle do trabalho financeiro de seus membros, realiza iniciativas e promove empreendimentos financeiros como festas, rifas, tômbolas, conferências, espetáculos, torneios e vendas de livros, revistas, etc.

As contribuições mensais das diversas organizações obedecem aos seguintes critérios regulamentares:

a) Cada Organização de base contribui para os Comitês imediatamente superiores com:

— 80% da arrecadação das mensalidades dos membros e dos simpatizantes;

— 50% da arrecadação das massas de sua iniciativa.

b) Cada Organização Distrital, Municipal, de Zona, de Grande Empresa contribui para a Organização superior com uma quota mensal fixa, estabelecida semestralmente, no mediante acordo;

c) Cada Organização Estatal ou Territorial contribui para o Comitê Central com uma quota mensal fixa, estabelecida anualmente, mediante acordo.

Além dessas contribuições normais, uma Organização partidária pode estabelecer contribuições extraordinárias, de acordo com as necessidades e possibilidades.

Em geral as previsões orçamentárias anuais são feitas no Plano de Construção relativo a cada organização.

A título de exemplo vamos apresentar o item Plano de Finanças do Plano de Construção do Comitê Estadual de Minas Gerais para 1963:

PLANO DE FINANÇAS

Este plano de finanças tem por finalidade assegurar os meios financeiros necessários ao funcionamento do Partido na capital (estadual), melhorar o aparelho de agitação e propaganda, desenvolver o trabalho de educação e garantir o êxito da construção do Partido nos pontos fundamentais:

COTAS

ORGANISMO ATÉ AGOSTO ATÉ DEZEMBRO

Funcionários 15.000,00 — 25.000,00

Bancários 25.000,00 — 35.000,00

Concórdia 10.000,00 — 13.000,00

Ferrobel 6.000,00 — 10.000,00

Pracistas 8.000,00 — 15.000,00

Secundaristas 8.000,00 — 15.000,00

Jornalistas 8.000,00 — 15.000,00

Lagoinha 5.000,00 — 10.000,00

Construção Civil 3.000,00 — 8.000,00

Comerciários 12.000,00 — 18.000,00

Motoristas 6.000,00 — 9.000.00

Gráficos 5.000,00 — 10.000,00

Aeroviários 10.000,00 — 18.000,00

Barreiro 5.000,00 — 8.000,00

Sagrada Família 3.000,00 — 5.000,00

Hidroelétricos 5.000,00 — 8.000,00

Pompeia 2.000,00 — 5.000,00

Mulheres 3.000,00 — 8.000,00

Glória 1.500,00 — 4.000,00

Sta. Tereza 4.000,00 — 8.000,00

Ferroviários 6.000,00 — 12.000,00

Metalúrgicos 6.000,00 — 10.000,00

Universitários 15.000,00 — 25.000,00

Correios 4.000,00 — 8.000,00

“Criar a Comissão de Finanças com os companheiros. Realizar no primeiro semestre três festas de massas, piqueniques, feijoadas, etc. Para o lançamento da edição mineira de Novos Rumos, conseguir a importância de Cr$ 60.000,00 que deverá ser arrecadada de abril a agosto. Serão dadas cotas às bases e será elaborado um plano a parte.”

Analisando esse Plano verificamos que foram estabelecidas cotas semestrais para as diversas organizações distritais, de empresas e de classes. A dotação para o jornal Novos Rumos obedeceria a um planejamento separado.

O total a arrecadas pelo Comitê Estadual, constitui uma parte da arrecadação de cada um dos comitês intermediários, obedecendo ao critério das cotas fixas, estabelecida no Regulamento.

Assim, o Comitê dos Funcionários deveria contribuir com Cr$ 15.000,00 até agosto e 25.000,00 cruzeiros até dezembro para o Comitê Estadual. Daí se depreende que esse Comitê deveria, para suas necessidades próprias, arrecadar importâncias bem maiores do que estas. As contribuições prescritas nesse plano atingem o total de 175.000 cruzeiros até agosto e 362.000 cruzeiros até dezembro.

Essas quantias são evidentemente deficientes para o funcionamento do Comitê Estadual que tem inclusive de pagar os vencimentos de seus dirigentes e funcionários. Conclui-se, pois, que esse Comitê deveria contar com a contribuição de personalidades ou empresas simpatizantes, inclusive de políticos como sempre ocorre.

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