O “Eros alado” da camarada Kollontai, Paulina Vinogradskaya

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15 min readApr 27, 2022

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Publicado por Paulina Semenovna Vinogradskaya (Полина Семеновна Виноградская) em 1926.

Em seu artigo chamado “Abram caminho para o Eros alado!” (e esta é uma carta à juventude operária, a camarada Kollontai começa dizendo:

“Jovem camarada: me perguntas que lugar corresponde ao amor na ideologia proletária. Admira-te o fato de que nos momentos atuais a juventude trabalhadora “se preocupe muito mais com o amor e todas as questões a ele relacionadas” que os grandes assuntos que a República dos operários tem por resolver. Se isto é assim — dificilmente posso apreciar de longe — , busquemos juntos a explicação deste feito e vamos encontrar a resposta para este primeiro problema: que lugar tem o amor na ideologia da classe operária?”

Em sua carta anterior sobre a moral, a camarada Kollontai reformulou as perguntas de seu correspondente em suas próprias palavras, de modo que havia motivos para pensar que ali não havia nada para citar. Mas neste artigo a pergunta do “jovem camarada” está entre aspas a fim de que seja lida como uma verdadeira carta. Se esta carta foi escrita por uma verdadeira pessoa da Rússia soviética, então deveríamos, acredito que com o total acordo da pesada e genuína maioria estudantil proletária, declarar que isto é uma calúnia contra a juventude. Pode ser que haja, entre a juventude, e possivelmente entre a juventude do partido, pessoas para quem os problemas sexuais se sobrepuseram a todo o resto, deixando de lado todos os outros problemas, inclusive o problema da revolução proletária, que apenas começou e que somente alcançou a vitória em um único país. Mas seria totalmente falso declarar que esta é uma característica de “toda a juventude operária” ou de sua maioria. Se a camarada Kollontai precisa mostrar que está escrevendo sobre seus queridos “temas eróticos” não por seu próprio interesse, mas sim porque foi incentivada pela própria juventude, então poderia resolver tal problema sem a necessidade de citar cartas que interpretam mal a situação da Rússia. Sobre este tema é provável que ela não careça de criatividade.

De todo modo, a camarada Kollontai, ao invés de focar-se em como estão as coisas em nossa realidade, imediatamente declara: “busquemos explicações”.

Um bom exercício, buscar explicações para algo que sequer existe! Uma pergunta poderia aparecer ao leitor de modo involuntário: “por que não buscar a explicação do motivo da camarada Kollontai estar tão desejosa de nos oferecer sua ‘explicação’”, e se está tudo bem com seu marxismo e seu comunismo? Por que, depois de tudo, a camarada Kollontai tão teimosa, deseja ser a Verbitskaya de nossa imprensa comunista e enfatizar constantemente o problema do sexo? Pode uma veterana e muito experimentada comunista não ter nada mais para escrever? Temos realmente tanta prosperidade em todas as áreas da vida que somente nos falta discutir como abrir os caminhos de Eros? Ou o fato é que somente as questões que os intelectuais socialistas filisteus são capazes de ouvir e conhecerem, enquanto os atuais pensamentos e sentimentos das trabalhadoras (não das mulheres histéricas nem das filisteias) são desconhecidos pela companheira?

A camarada Kollontai faz a ressalva que “de longe”, na Noruega, não pode determinar até que ponto a questão do amor é de vital importância para a juventude. Não obstante, isto não a deteve na hora de tomar a posição de que a juventude está completamente absorvida pela questão do amor, pela busca da “felicidade”.

Como são realmente as coisas entre nós no que concerne ao amor e ao sexo entre a juventude e entre os trabalhadores e as trabalhadoras?

Por acaso algo mudou desde a guerra civil? Sem dúvidas, mudanças, movimentações e convulsões tiveram lugar aqui como na totalidade de nossas vidas no período de calma temporária que seguiu a guerra civil, ou melhor dizendo, no período de mudança nas formas de luta contra a burguesia sob a NEP (Nova Política Econômica). A revolução desencadeou todas as energias, físicas e intelectuais, de cada membro individual da classe operária e ofereceu amplas perspectivas para sua aplicação. Contudo, em si mesma não permitiu que as “liberdades” moldassem a criação de novas formas de vida até que a luta acabou. No estágio de intensa luta de classes, com suas consignas e sua exigência de “levar a guerra até à vitória”, toda a atenção das massas esteve concentrada na questão da luta direta contra o inimigo. Mas o processo de dissolução das velhas formas recém mencionado já estava madurando completamente. Toda a vida sexual com seus problemas, estava, portanto, sendo posta de lado e somente agora podem estar questões de importância secundária começar a desempenhar um papel mais importante (se a revolução alemã não as tira da agenda). Um papel mais importante — devemos expressá-lo assim desde modo para não cometer o erro de exagerar a questão, isso é tudo.

Não existe argumentação para dizer que as questões do amor estão começando a interessar a juventude estudantil mais que no passado. A pesquisa sobre a vida sexual realizada por estudantes da Universidade Sverdlov contém material interessante a esse respeito. Mas há uma distância abismal entre tal interesse e o entusiasmo pelas questões sexuais levado ao ponto de acabar com o estudo e com a tarefa fundamental da luta do proletariado. Pelo contrário, sabemos que os jovens estudantes dedicam boa parte de suas energias a estudar, apesar das condições materiais em que nossos jovens estudantes proletários e em que o corpo estudantil comunista se encontram, e se há um interesse nos problemas sexuais, também há em dobro o interesse no materialismo e o triplo interesse na economia política, etc. A revista da Universidade de Sverdlov, na qual foi publicado o artigo acima mencionado, pode servir-nos de evidência disto. Esta revista, obviamente contemplando as necessidades dos jovens estudantes, dedica quase todas as suas páginas a questões acadêmicas e somente uma parcela significante para a questão sexual.

Na vida dos trabalhadores, tanto a questão sexual como os problemas da nova família estão sendo discutidos em maior medida que anteriormente. Mas seria uma grande injustiça afirmar que contemplamos uma predominância dos interesses e as opiniões decadentes dos Sanin. Conhecemos um caso em que um comunista, um velho membro do partido, que atirou por ciúmes em outra pessoa não pertencente ao partido. Não faz muito tempo, em Moscou, dois estudantes da Academia de Guerra duelaram por uma mulher. Este fato merece atenção em si mesmo. Deve ser posto no contexto das transformações no estado geral dos ânimos. Mas seria uma calúnia dizer que em todo o Exército Vermelho este tipo de duelo é comum. […]

Por outro lado, não há dúvida de que os antigos laços na esfera da família e das relações sexuais estão sofrendo um processo de ruptura e experimentando mudanças contínuas por todas as partes, causadas pela nova economia e pela mentalidade das pessoas, que em alguns aspectos inclusive transcendem a economia. Mas a dissolução destes laços acontece de maneira extremamente lenta. A transição do comunismo de guerra à NEP tende mais a retroceder (temporalmente, ao menos) do que acelerar esse processo. Se os estudantes proletários e a juventude protestam de modo tormentoso contra os antigos preceitos pequeno-burgueses na área das relações sexuais, chegando inclusive a formas desordenadas de relações sexuais e buscando fundamentá-las, então se trata, em geral, somente de uma pequena parte da totalidade do proletariado e está longe de ser uma característica da totalidade. Mas tudo isto fala de atitudes um tanto descuidadas em direção às questões da vida sexual e da pouco atenta e pouco companheira atitude em direção às mulheres, já que na presente situação são as mulheres quem tem que lidar sozinhas com os frutos deste amor. Mas repito que isto está longe de significar que as questões sexuais atraem a fervorosa atenção da juventude e os distancia do problema principal. Quanto antes pelo contrário: a regra do “Eros alado”, cujo adoro de penas de pavão real é proclamado pela própria camarada Kollontai como a primeira das ocupações do marxismo e da ideologia proletária.

É necessário também ter em conta o fato de que, devido à coeducação da juventude, à sua participação conjunta em todas as formas de esportes e, finalmente, ao abandono geral das divisões artificiais entre homens e mulheres em nossa vida pública, ao espírito geral de companheirismo em direção às mulheres (que ainda está longe de ser um companheirismo suficiente) — entre nós tanto o amor como o corpo feminino não são a fruta proibida, essa maçã do paraíso, os motivos de todo tipo de suspiros e de sonhos reprimidos, como eram no passado. Quando os artistas da pintura renascentista cantavam hinos às magnificências do corpo feminino, violando as regras do ascetismo cristão, quando tais motivos ressoavam na literatura burguesa liberal nos séculos seguintes, tudo isso era natural, compreensível, necessário e progressivo. Mas agora, depois de tudo isso, temos tempos distintos, morais distintas, canções distintas. As frutas proibidas se tornaram acessíveis a todos faz pouco tempo. As relações entre pessoas de diferentes sexos são completamente diferentes — são muito mais racionais. Em tal situação, o ímpeto à la Georges Sand da camarada Kollontai, sua superestimação dos problemas do amor, seu revolucionarismo ostentoso e artificial nesta área, me produzem uma engraçada e lamentável impressão.

O problema do amor não tem um décimo da significância em nossas vidas que a camarada Kollontai deseja atribuir-lhes em seus artigos, nos quais inútil e pateticamente desperdiça sua energia e seu entusiasmo. É realmente como colocar-se a matar moscas com canhões.

Por outro lado, o que é realmente importante e está relacionado com o problema sexual, além do erotismo, são, por exemplo, as questões da família, a questão dos filhos, da posteridade em geral, questões que preocupam os trabalhadores, especialmente as trabalhadoras, mais que qualquer outra. Estas perguntas não interessam à camarada Kollontai. Mas trataremos disso adiante […]

Que estilo! De fato, estamos frente a uma obra magistral! Então, a camarada Kollontai sustenta que a situação da Rússia é agora tão positiva que já é tempo de começar a nos ocupar do “Eros alado” e nos pede que reordenemos as relações sexuais. De que forma faremos isso, vamos investigar concretamente. Ainda que por hábito, disse acima que a pausa [na revolução mundial e na guerra civil] é “temporal e relativa”, segundo suas conclusões e sugestões práticas pareceria que ocorreu uma mudança fundamental. Tal avaliação da situação geral é uma ilusão muito prejudicial, cuja inadmissibilidade está tão claramente apoiada agora pelos acontecimentos na Alemanha. Também é necessário esclarecer que o erro da camarada Kollontai está longe de ser um erro puramente individual. No contexto da NEP, durante três anos de trégua, em um vasto número de camaradas se consolidou a psicologia da “renovação pacífica”. De algum modo, se ignora e se esquece que a revolução proletária triunfou somente em um setor, um setor muito menos importante que o econômico ou cultural. Todos nós repetimos por costume que as grandes batalhas estão por vir, que todos os perigos que nos estão ameaçando estão enormes. Não obstante, na prática, muitos atuam como se já tivéssemos resolvido a questão do socialismo, senão completamente, ao menos de modo parcial. Não seria supérfluo, portanto, relembrar a todos, e em particular ao propagandismo da nova época na esfera do amor, as belas palavras do camarada Trotsky neste sentido, ainda que pronunciadas em um contexto diferente.

“Colocamos os problemas culturais na ordem do dia. Ao projetar nossas preocupações de hoje sobre um distante porvir, podemos chegar a imaginar uma cultura proletária. De fato, por mais importante e vital que possa ser nossa política cultural, se situa inteiramente sob o signo da revolução europeia e mundial. Seguimos sendo, como antes, soldados em campanha. Temos agora uma jornada de repouso, e temos que aproveitá-la para lavar nossas roupas, aparar o cabelo e limpar o fuzil. Todo nosso trabalho econômico e cultural de hoje não é mais que uma certa organização de nosso equipamento entre duas batalhas e entre duas campanhas. Os combates decisivos estão ainda à nossa frente e, quiçá, não tão distantes. [Nossa época não é ainda a época de uma cultura nova, mas sim somente o umbral em direção a ela. O primeiro que devemos fazer é nos apoderar oficialmente dos elementos mais importantes da velha cultura, ao menos na medida que nos permita abrir caminho em direção à nova.]”

Se tivéssemos perguntado à camarada Kollontai se ela concorda com estas linhas, provavelmente teria se ofendido pela pergunta. Alguém poderia pensar isso. Ela é, depois de tudo, uma grande “esquerdista”! Mas ao mesmo tempo, aparentemente carece da lógica necessária para pensar até o final o que sua atual ênfase na questão do Eros significa politicamente. Ela carece da intuição marxista e comunista para entender que, independentemente da substância das suas ideias, sua ênfase excessiva e exagerada sobre o problema sexual é um grande erro político. É um erro do ponto de vista das condições reais nas quais nossos trabalhadores e trabalhadoras comunistas ainda enfrentam para viver e trabalhar, o que não deve ser esquecido. O que recomenda Kollontai, realmente? Com o que supõe que devemos ocupar nossas mentes? Temos inflação, pobreza, baixos salários. Os requerimentos elementais das massas trabalhadoras estão longe de estares satisfeitos. Mais da metade de nosso país é analfabeto. Os jovens estudantes vivem em terríveis condições materiais; lhes falta comida, roupa, e não há suficientes livros para as escolas. Milhares de jovens contraíram tuberculose e padecem de diversas doenças pela tensão mental e pela subnutrição. Muitos anos de trabalho são necessários antes que a acumulação socialista comece a funcionar como deve, de modo que possamos prover alojamento, vestimenta e educação às centenas de milhares de órfãos, etc. Mas os pensamentos da camarada Kollontai estão colocados em outro lugar. O “doce Eros alado”, imaginem, está novamente reclamando seus direitos; “a energia sobrante da alma está buscando expressar-se em experiências espirituais”; “a lira afinada do alado ídolo do amor”, etc., etc.

Posso afirmar com segurança que, a todos os lamentos da camarada Kollontai, nossa juventude consciente (não os estudantes secundaristas nem os filhos dos homens da NEP_ responderá, não com uma “lira afinada”, mas sim com o estampido de um instrumento monótono como uma espécie de “assobio”. E, além do mais, provavelmente seremos acusados, pelo que sei, de arar a areia por usar a pena [para responder a ele] em vez daquela engenhoca simples e adequada. Entretanto, se continuarmos com uma análise séria do que foi escrito por nossa respeitada embaixadora na Noruega, então, dado que a camarada Kollontai segue disfrutando de algum respeito em certos círculos de trabalhadoras e da juventude, seus admiradores demandarão de nós que argumentemos sobre seu posicionamento.

Certamente, me parece que, se os últimos escritos da camarada Kollontai fossem traduzidos ao alemão e lidos por trabalhadores e comunistas alemães, eles nos considerariam, havendo publicado estas coisas em órgãos comunistas para as mulheres e a juventude, ou bem loucos ou… começando a degenerar rapidamente. Basta recordar o que o atormentado e esgotado proletariado alemão enfrenta para dar-se conta da grande carência de tato que semelhante literatura representa na escala internacional, havendo saído da pena de uma das líderes recentes do movimento comunista de mulheres trabalhadores.

Além disso, a camarada Kollontai vê na futura sociedade, também, o que deseja ver, e apesar do fato de que ela (e isto já se transformou em um hábito entre nós) repete uma e outra vez que não devemos elaborar profecias sobre o que virá, acalmando sua consciência marxista com essa frase, não pode conter a curiosidade de contemplar esse futuro e discorrer amplamente sobre ele. Ela escreve: “Eros, o deus do amor, ocupará um posto de honra como sentimento capaz de enriquecer a felicidade humana nesta nova sociedade, coletivista por seu espírito e suas emoções, caracterizada pela união feliz e as relações fraternas entre os membros da coletividade trabalhadora e criadora. […] Neste mundo novo a forma normal, reconhecida e desejável das relações entre os sexos estará baseada puramente na atração sã, livre e natural “sem perversões nem excessos” dos sexos; as relações sexuais dos homens na nova sociedade estarão determinadas pelo “Eros transfigurado”.

A camarada Kollontai está pronta, a fim de propagandear sua própria visão de Eros, não somente a distorcer toda a história, mas também refazer todo o futuro a seu gosto. Na sociedade comunista, as relações entre os sexos devem estar organizadas ao “estilo Kollontai”. Certo, “sobre gostos não há nada escrito” diz o provérbio, mas antes de qualquer tentativa de impor os gostos particulares e privados de uma pessoa na sociedade futura, devemos protestar custe o que custar.

Neste sentido, as palavras do camarada Preobrazhensky são totalmente adequadas, quando disse em seu folheto: “Concretamente, é possível, do ponto de vista dos interesses proletários, colocar e responder o questionamento quanto a quais formas de relações entre os sexos serão as mais compatíveis, não com as relações sociais de produção atuais, mas sim com as relações sociais no socialismo: a monogamia, as relações temporais ou as assim chamadas relações sexuais desordenadas? Até agora, os defensores de um lado ou de outro tentaram defender suas preferências e hábitos pessoais em lugar de dar-nos uma resposta sociologicamente correta e baseada em um ponto de vista de classe. Aquele que concorda com a vida familiar e pessoal um tanto filisteia de Marx e com sua inclinação pela monogamia, tenta fazer da forma monogâmica do matrimônio um dogma, através de fundamentos biológicos e sociais. Aqueles que se inclinam opostamente, buscam aprovar os “matrimônios fugazes” e o “comunismo sexual” como a forma natural do matrimônio na futura sociedade. A realização deste tipo de relações entre os sexos é às vezes vista com orgulho, como um “protesto ativo” frente à presente moral pequeno-burguesa sobre a família. Na verdade, todas estas declarações sobre esta problemática mostram o fato de que quem expressa as posições mencionadas recomendam para a sociedade comunista seus gostos pessoais como uma necessidade objetiva’”.

O que é que a camarada Kollontai recomenda aos trabalhadores e trabalhadoras, e a nossa juventude?

A totalidade de seu artigo é composta de uma contínua moralização filosófica no campo das relações sexuais. E a história da Idade Média está examinada criticamente por causa desta moralidade. Ela recomenda o seguinte:

“A multiplicidade do amor em si mesmo estará por acaso em contradição com os interesses do proletariado? Pelo contrário: esta multiplicidade do sentimento de amor nas relações entre os sexos facilita o triunfo do ideal de amor que se forma e se cristaliza no próprio seio da classe operária: o amor-camarada.”

Por multiplicidade do amor se refere à coabitação de um homem com várias mulheres e vice-versa. Estamos longe de querer argumentar contra a “multiplicidade” do amor. Mas é necessário dizer uma coisa. O querer viver com várias pessoas é, em primeiro lugar, uma questão de temperamento, um produto das características puramente subjetivas e das preferências subjetivas do indivíduo. Mas a possibilidade de uma realização ampla de tais preferências pessoais depende antes de tudo da economia, de em que medida a construção do socialismo avançou, de que tamanho é a produção social; em uma palavra, depende de como a coletividade consumou o salto do reino da necessidade ao reino da liberdade.

É completamente possível que na sociedade futura, quando o êxito da produção faça possível o total desenvolvimento da personalidade humana, cada pessoa terá suficiente liberdade em sua vida de modo que as formas das relações mútuas entre os sexos estejam determinadas quase completamente pelas inclinações pessoais, por seus temperamentos, etc. Entretanto, devemos pensar que muito provavelmente também haverá princípios reguladores em termos de quais formas de interação são as melhores a partir da medicina e da eugenia.

Mas voltando à situação de nossa existência cotidiana, de nossa realidade, devemos dizer que todas estas perguntas sobre a realização das relações sexuais orbitam (em condições de pobreza e desemprego, sobretudo entre as mulheres, e de falta de educação) principalmente em torno da questão da família e dos filhos. Neste sentido, nossa autora se mantém em total silêncio, limitando-se à área puramente psicológica das discussões sobre o amor e invariavelmente referindo-se aos “interesses do proletariado”, à “ideologia proletária”, etc. Manter-se em silêncio sobre isso é manter-se em silêncio sobre o mais importante, sobre o mais ardente, sobre os problemas mais profundos da mulher trabalhadora, de toda mulher, e logicamente, de todo homem. […] As massas não compartilham absolutamente do ponto de vista que o amor existe pelo amor em si mesmo, e de que a mulher e o homem devem enxergar-se mutuamente como objetos de prazer. É o amor realmente tomado como uma conexão social e biológica, uma espécie de arte pela arte? Não é necessariamente um prelúdio da reprodução, da criação dos filhos? Não é supérfluo indicar o fato de que na festa de aniversário organizada pela Sessão de Mulheres Trabalhadoras do Comitê Central (Zhenotdel) em homenagem aos três anos da revista Kommunistka, várias trabalhadoras em seus discursos protestaram contra o fato de que na revista artigos como este da camarada Kollontai foram publicados. Dentro destas considerações, uma dessas salientou que o artigo da “irmã” camarada Kollontai era tão alheio ao espírito das trabalhadoras que, em geral, não o entenderam. Deste modo, o festejo em honra ao aniversário da revista Kommunistka inesperadamente terminou com uma crítica à posição da camarada Kollontai na esfere de Eros. Uma trabalhadora da Seção de Mulheres do Donbass este absolutamente certa ao observar: “Entre nós não há questionamentos sobre o amor. Entre nós há questões sobre as crianças. Essa é a questão. E qual é a situação das crianças? Mais de meio milhão de crianças não tem casa, estão dependendo do Estado e vivendo na pobreza, traumatizados, frequentemente em condições de pesar. Há dezenas de milhares de meninos que as operárias não têm onde deixar devido à falta de creches e escolas. A questão da criança social é a questão central da família e o problema sexual não nos preocupa hoje em dia”. Mas todas estas questões, tão profundamente problemáticas para as mulheres trabalhadoras, questões para as quais esperam respostas, são ignoradas pela camarada Kollontai com o mais obstinado dos silêncios. Ela se ocupa exclusivamente da psicologia do amor, das emoções subjetivas dos amantes, e não pensa que se nossas trabalhadoras se voltem em grande escala ao “Eros alado” e se dão o luxo de praticar o “amor múltiplo”, para um grande número delas isso significaria um aumento da família, a necessidade de criar novos filhos, em um momento em que não sabemos o que fazer com os que já temos. […]

Vivemos em um século de enormes revoltas sociais, em comparação com as quais o terremoto sem precedentes do Japão parece menor e insignificante. Décadas de revoluções e guerras socialistas irão requerer uma intensificação enorme das forças proletárias, e pessoas não menos temperadas que o aço com o qual vão acertar as contas com o velho mundo. Nosso Partido conseguiu produzir pessoas assim. Mas nem nosso Partido nem a geração de revolucionários populistas que nos precederam educaram os jovens sobre os problemas do amor. Tinham coisas demais para preocuparem-se. E agora nossa juventude responderá, perplexa, no melhor dos casos, às tentativas da camarada Kollontai de educar à jovem geração de revolucionários nos problemas do amor, que já cativaram parasitas como Pechorin e Onegin enquanto se sentavam nas costas de seus servos.

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