O desenvolvimento do capitalismo e o movimento feminino, Catalina Adrianzen
Texto traduzido do original “El desenvolvimento del capitalismo y el movimiento femenino”, extraído da obra “Marxismo, Mariátegui y el movimiento femenino”, publicado pelo Movimento Feminino Popular e pelo Partido Comunista Peruano, no Capítulo 01 das ‘Ediciones Bandera Roja’, em 1974.
O desenvolvimento do capitalismo vai incorporar a mulher ao trabalho dando as bases, as condições para que ela possa desenvolver-se; assim, com a incorporação no processo produtivo, as mulheres terão a possibilidade de unir-se mais diretamente à luta de classes e à ação combativa. O capitalismo levou a revoluções burguesas e nesta forja as massas femininas, especialmente trabalhadoras, avançaram.
A revolução francesa, a mais avançada das conduzidas pela burguesia, foi um terreno fértil para a ação feminina. As mulheres se mobilizaram junto às massas e participando dos clubes femininos desenvolveram ação revolucionária; nestas lutas organizaram uma ‘Sociedade de Mulheres Republicanas e Revolucionárias’ e através de Olimpia de Gouges, em 1789, pedem a ‘Declaração de Direitos da Mulher’ e criam jornais como ‘El Impaciente’ para reivindicar sua condição. No desenvolvimento do processo revolucionário as mulheres conquistaram a supressão do direito de primogenitura e a abolição dos privilégios da masculinidade, obtiveram igual direito de sucessão que os homens e conseguiram o direito ao divórcio. Sua participação combatente deu alguns frutos.
Mas contido o grande impulso revolucionário, nega-se para as mulheres o acesso aos clubes políticos, se combate sua politização e as recrimina predicando sua volta ao lar, dizendo-as: Desde quando lhes está permitido, mulheres, renunciar de seu sexo biológico e fazerem-se homens?” A natureza as fez mulher: seja mulher. Teus trabalhos são o cuidado da infância, os detalhes do lar e as diversas inquietudes da maternidade”. Mais ainda, com a reorganização burguesa que inicia Napoleão, com o Código Civil, a mulher casada volta a ser submetida a tutela, cai sob o domínio do marido em sua pessoa e em seus bens; se nega a indagação da paternidade; se retira da mulher casada os direitos civis, como também das prostitutas; e as proíbe o divórcio e o direito de alienar suas propriedades.
Na revolução francesa já se pode ver com claridade como o avanço das mulheres e seu retrocesso estão ligados aos avanços e aos retrocessos do povo e da revolução. Esta é uma lição importante: a identidade de interesse do movimento feminino e da luta popular, como uma é parte da outra.
Assim mesmo esta revolução burguesa mostra como as ideias sobre a mulher seguem um processo igual ao político; freada e combatida a ascensão revolucionária, surgiram ideias reacionárias sobre a mulher: Bonaldo sustenta “O homem é para a mulher o que a mulher é para a criança”; Comte, tido como ‘pai da sociologia’, afirmou que a feminilidade é um tipo de infância contínua e que essa condição biológica se expressa na debilidade intelectual; Balzac escreveu: “O destino da mulher e sua única glória é fazer bater o coração dos homens. A mulher é uma propriedade que se adquire por contrato, um bem móvel, porque a posse vale um título: enfim, falando propriamente, a mulher não é mais que um anexo do homem”. Todo este reacionarismo se sintetizou nas seguintes palavras de Napoleão: “A natureza quis que as mulheres fossem nossas escravas… são nossa propriedade…; a mulher não é mais que uma máquina para produzir filhos”; personagem para quem a vida feminina devia orientar-se por “Cozinha, Igreja, Filhos”, lema ao qual Hitler aderiu neste século.
A revolução francesa atingiu o pico em seus três princípios de liberdade, igualdade e fraternidade e prometeu justiça, reivindicando o povo. Mas prontamente mostrou seus limites e que suas declarações iniciais não eram nada além de declarações formais, quando seus interesses de classe entravam em contradição aos interesses das massas; a miséria, a fome, e a injustiça seguiram reinando, agora sob novas formas. Contra esta ordem de coisas se lançaram os socialistas utópicos com uma crítica demolidora e sagaz ainda que, pelas condições históricas, não puderam chegar à raiz do problema do mal. Os socialistas utópicos também condenaram a condição da mulher sob o capitalismo; Fourier, representante dessa posição, assinalou: “A mudança de uma época histórica pode determinar-se sempre pela atitude de progresso da mulher… o grau de emancipação feminina constitui um processo natural de emancipação geral”.
Frente a essa grande afirmação é bom contrapor o pensamento do anarquista Proudhon sobre a mulher, e ter presentes suas ideias nos dias de hoje para quem quer apresentar os anarquistas como exemplo de visão e consequência revolucionárias e faz propaganda disso aos quatro ventos. Sustentava Proudhon que a mulher é inferior ao homem por sua natureza física, intelectual e moralmente, e que em seu conjunto representado numericamente, a mulher tem o valor de 8/27 do valor do homem. Assim, para este paladino a mulher representa menos de um terço do valor do homem; isto é a expressão do pensamento pequeno-burguês de seu autor, raiz comum de todo anarquismo.
Durante o século XIX, com sua crescente incorporação ao processo produtivo, a mulher seguiu desenvolvendo sua luta em prol de suas reivindicações, unindo-se ao movimento sindical e revolucionário do proletariado, um exemplo desta participação foi Luisa Michel, combatente da Comuna de Paris de 1871. Mas o movimento feminino em geral foi orientado em direção ao sufragismo, para a luta pela obtenção do direito de voto para as mulheres, sob a falsa ideia de que conseguindo votos e posições parlamentares se reivindicariam seus direitos; assim se canalizou a ação feminista em direção ao cretinismo parlamentar. Ainda assim, é bom relembrar que o voto não foi alcançado gratuitamente, mas sim que no século passado e no começo deste, as mulheres lutaram aberta e decididamente para consegui-lo. A luta pelo voto feminino e sua continuação demonstram uma vez mais que essa é uma conquista, e que não é o meio que permite uma transformação verdadeira da condição da mulher.
O século XX implica um maior desenvolvimento da ação econômica feminina, as trabalhadoras aumentam massivamente, somando fortes contingentes de profissionais; as mulheres incursionam em todos os campos de atividade. Neste processo tem grande importância as guerras mundiais que incorporam milhões de mulheres na economia substituindo os homens mobilizados nas frentes de batalha. Tudo isso impulsiona a mobilização, organização e politização das mulheres; e a partir dos anos 50 se reinicia com maior força a luta feminina que se amplia nos anos 60 com uma grande perspectiva para o futuro.
Em conclusão, o capitalismo mediante a incorporação econômica da mulher, assenta bases para sua mobilização reivindicativa; mas o capitalismo só é capaz de dar uma igualdade jurídica formas às mulheres, de modo algum pode emancipa-las. Isto está demonstrado por toda a história da burguesia, classe que inclusive na sua mais avançada revolução, a francesa do século XVIII, não pode avançar para além de uma reivindicação formal. Mais ainda o desenvolvimento posterior dos processos revolucionários burgueses e o século XX, demonstram que não somente a burguesia não pode dar a emancipação às massas femininas, mas também que com o desenvolvimento do imperialismo a concepção burguesia frente a condição feminina se torna cada vez mais reacionária e reforça a opressão social, econômica, política e ideológica sobre as mulheres ainda que a pinte e camufle de mil maneiras.