As normas da ação clandestina (IPM 709)
Capítulo extraído do Inquérito Policial Militar nº 709, Volume II, coordenado pelo General Ferdinando de Carvalho e publicado pela Editora do Exército em 1966.
A doutrina da ação política dos comunistas, desde os tempos de Lenin, prevê formas gerais de trabalho que se realizam em quaisquer situações: a forma legal e a forma clandestina. Essas duas variedades devem ser plenamente coordenadas e ligadas, visando à consecução dos mesmos objetivos. A proporção de intensidade e graduação entre elas é variável de acordo com as condições da época e do lugar.
De maneira geral, os comunistas encaram três situações.
1 — Quando o Partido está na clandestinidade, a sua organização é ilegal e o seu trabalho principal é clandestino. Apenar disso deve ser dada especial atenção às possibilidades de utilização de formas legais ou semilegais, capazes de permitir a construção, preservação, ampliação e coordenação do trabalho com as massas.
2 — Quando o Partido está em situação legal e ostensiva, embora não se encontre no Poder, a organização e o trabalho são parte ostensiva e legais e parte, ilegais e clandestina.
3 — Quando o Partido está no Poder, sua existência, organização e trabalho são legais, mas algumas das esferas da sua organização e do seu trabalho são inteiramente secretos.
Os comunistas consideram como ideal para o Partido o trabalho ostensivo. Acham todavia que o trabalho secreto é necessário, em virtude da existência de numerosos inimigos.
De qualquer forma entre os dois tipos de trabalho deve existir a maior união e coordenação. A decisão sobre o que deve ser ostensivo e o que deve ser clandestino depende inteiramente das circunstâncias.
Existe uma publicação editada na China Comunista, denominada “o trabalho ostensivo e o trabalho secreto do Partido”. Esse panfleto consigna as principais normas desses tipos de trabalho, as quais resumiremos, a seguir.
De um modo geral prescrevem tais formas:
“Quando tivermos compreendido verdadeiramente as condições internas e externas do Partido e da classe revolucionária no momento e no local determinado, e que nos encontremos familiarizados com as leis, então seremos capazes de decidir sobre quais os dispositivos legais que podem ser utilizados para as atividades do Partido e da classe revolucionária, quais as formas de trabalho, organização e luta que podem se realizar abertamente e quais as que não se podem levar a efeito senão em sigilo; em outras palavras, quais as atividades permitidas pela lei e quais as que se devem realizar ilegalmente.”
“De um modo geral, o campo legal se reduz quando as forças revolucionárias são débeis em sua capacidade de luta e sofrem retrocessos; esse campo se amplia na medida em que as forças revolucionárias se tornam fortes e progressivas.”
“O Partido e a classe revolucionária devem, por conseguinte, preocupar-se em obter sempre uma situação legal e ampliar as possibilidades de executar legalmente certas atividades, sempre que possível.”
O fenômeno da variação de proporções entre as atividades ostensivas e clandestinas do Partido Comunista pode ser observado ao atentarmos para a situação que imperava no Brasil imediatamente antes de 31 de março de 1964, quando os comunistas haviam obtido um importante grau de infiltração no governo. Se compulsarmos os órgãos de imprensa comunista dessa época vamos encontrar referências claras a essas atividades, denunciando expressivamente o fato. Para uma simples verificação basta consultar o Jornal Novos Rumos, n. 265. Nesse número do órgão oficial do PCB encontramos os seguintes tópicos:
— Solidariedade aos marinheiros presos pelo Ministro Silvio Mota em razão de faltas disciplinares;
— Manifesto político do Partido concitando o povo a intensificar as suas “ações de massa para garantir a vitória do povo”, no qual se lê:
“Este é o momento de lutar pela defesa das liberdades públicas, contra qualquer tentativa de interromper o processo democrático. No terreno das liberdades democráticas não podemos ceder um milímetro sequer. Daqui para a frente, para novas conquistas, como a revogação das leis reacionárias e de quaisquer discriminações ideológicas. Cumpre defender a liberdade sindical e os direitos dos trabalhadores, exigindo a revogação do decreto 9.070. Reivindicar a anistia ampla, para todos os presos e processados políticos. Exigir a existência legal de todos os partidos, inclusive o Partido Comunista.”
— Notícia da Comemoração do Aniversário do PCB, cerimônia realizada ostensivamente na Associação Brasileira de Imprensa, na qual Prestes declarou que a Mensagem Presidencial sobre as reformas “deve ser levada às fábricas para que os operários a discutam e a partir dessa discussão intensifiquem a luta pelas reformas.”
— Publicação, em suplemento especial, das Teses para a Discussão do VI Congresso do Partido Comunista;
— Artigo do dirigente comunista Moisés Vinhas sobre a necessidade de legalização do Partido Comunista, no qual se lê: “Na atualidade mundial e nacional, é necessária mais do que nunca, para o nosso povo a plena ação legal do partido dos comunistas.”
— Artigo sobre a III UNE Volante, integrada por estudantes comunistas que realizariam uma viagem por todo o País de propaganda ieológica.
— Programa da Frente Popular constituída para englobar em uma Frente-única, liderada pelo Partido Comunista, as chamadas forças populares que apoiavam o governo conduzindo sistematicamente o país a um regime socialista. Essa Frente se sobrepunha aos partidos políticos e contava com a anuência do governo que passariam a ser por ele tutelado. A simples leitura desse Programa evidencia os objetivos indisfarçáveis de uma associação que visava conduzir o Brasil ao domínio do comunismo internacional.
Estes são os principais tópicos encontrados em um simples número de um jornal comunista, ostensivamente. São indicações seguras de extensão da penetração comunista nesse período histórico da vida brasileira.
AS NORMAS DO TRABALHO SECRETO
As normas para o trabalho secreto e clandestino do Partido Comunista constituem o fruto de longos anos de estudo e experiência mundial.
“O trabalho secreto do Partido, dizem essas normas, deve ser realizado por especialistas (principalmente revolucionários profissionais) e não deve ser, em geral empreendido por aqueles que se ocupam do trabalho ostensivo. A forma secreta de trabalho dentro do Partido é completamente diferente da forma ostensiva de trabalho. Os trabalhadores clandestinos não devem, como regra, revelar a sua identidade ante as massas, nem tampouco dirigir diretamente a luta das massas. Devem ocultar-se, persistentemente, no trabalho difícil, durante um longo tempo.”
O trabalho secreto exige severa disciplina, cuidado e estrito cumprimento de todas as prescrições de segurança que o presidem. As seguintes regras gerais devem ser observadas:
1 — Cada militante e cada dirigente deve conhecer apenas o que tem de saber e não o que seja possível saber;
2 — Devem existir regulamentos pormenorizados que prescreveram as relações de cada organização ou militante do partido com outras organizações ou militantes, de escalão superior ou inferior. Não serão permitidas relações laterais, além das que sejam prescritas;
3 — Devem ser estabelecidos códigos secretos, chaves de termos para designar pessoas, organismos, sinais, locais, etc;
4 — A exceção do que devem ser transmitidos de acordo com os regulamentos, todas as matérias discutidas em reuniões partidárias não devem ser reveladas a ninguém pelos que participaram das reuniões aludida;
5 — Nenhum nome de pessoa, lugar ou cifra deve aparecer nos informes e comunicações escritas. Não deve ser guardada nenhuma ficha de militantes ou dirigentes. Quando for necessário realizar anotações escritas, devem ser usados códigos;
6 — Não deve existir em princípio, nenhum documento secreto do Partido. Em caso de necessidade, esses documentos não devem revelar as pessoas encarregadas do trabalho secreto e devem ser queimados imediatamente após a leitura. Nas publicações e literatura do Partido, nenhum segredo deve ser revelado;
7 — As organizações secretas devem ser pequenas, compactas e eficientes. Todo o cuidado deve existir para evitar as organizações grandes e dispersas. Deve ser evitado o contato desnecessário entre os militantes;
8 — Cada militante deve fazer todo o possível para preservar sua situação legal, para assegurar que a sua atividade seja conhecida pelo menos número de pessoas e evitar que a sua família e a sua história pessoal sejam desnecessariamente conhecidas por outros militantes;
9 — Não deve ser feita nenhuma comunicação geral dentro do Partido sobre a forma secreta do trabalho partidário;
10 — Não deve ser confundido o palavratório revolucionário destituído de objetivos práticos, com a propaganda do Partido. O primeiro deve ser combatido ao passo que a última é constantemente necessária para disseminar a posição política partidária.
11 — Não deve ser solicitado aos militantes incumbidos do trabalho legal tarefas não permitidas pelas circunstâncias a fim de que não se criem dificuldades pela contradição entre o conteúdo ilegal dessas tarefas e a forma legal, e pela necessidade de contatos entre as frentes legal e a clandestina do trabalho partidário.
12 — Se o Partido se encontrar na completa ilegalidade o centro de gravidade de seu trabalho deve ser deslocado para os ramos secretos nas fábricas, oficinas e zonas rurais. Nesse caso deve ser feito todo o possível para colocar nesse trabalho clandestino os militantes que tenham capacidade para dirigir e para reduzir, o mais possível, sua dependência da direção dos organismos dirigentes secretos mais elevados.
NORMAS DE UTILIZAÇÃO DAS POSSIBILIDADES LEGAIS POR UM PARTIDO ILEGAL
Embora o Partido Comunista como organização esteja na ilegalidade e clandestinidade, existem sempre possibilidades para que membros executem individualmente ou em determinados grupos atividades de caráter legal, mas que redundam em benefício do Partido.
As normas estabelecem que nessas atividades os militantes devem tomar todas as cautelas para que não se exponham inutilmente.
“Se se puderem utilizar, ampla e adequadamente, todas as possibilidades legais para que os membros do Partido participem em todo tipo de atividades sociais ostensivas e semi-ostensivas, então existem objetivamente muitas possibilidades legais que podem ser utilizadas, embora esteja o Partido completamente na clandestinidade.”
Os militantes procuram nesse caso participar ativamente de inúmeras atividades para penetrar profundamente nos grupos, manter contato com grandes massas e controlar organizações sociais, instituições e publicações, ostensivas e legais.
Os comunistas consideram essa ação muito necessária e importante porque cada associação penetrada e dominada pode converter-se em um ponto de apoio do Partido entre as massas. Isso também assegura a preservação das organizações secretas e impede o isolamento do Partido em relação às massas.
A utilização das possibilidades legais significa para o militante o encargo de associar-se a todas as organizações e instituições legais, sem preocupar-se com o grau de controle inicial dos comunistas.
Recomendam as instruções que as possibilidades devem ser utilizadas para criar-se toda a espécie de organizações e instituições legais “cinzentas” e procurar, dentro dos limites legais, apoiar os interesses e dirigir as ações das massas. Para tais objetivos devem ser adotadas as seguintes normas:
1 — Os comunistas devem ingressar nas organizações e instituições legais mediante procedimentos corretos;
2 — Devem assumir uma posição social e aparência adequadas, adotando a forma de trabalho, o estilo, a indumentária e o sistema de vida privada que estejam de acordo com esses aspectos;
3 — Devem adotar as formas de ação ostensivas e legais que melhor se adaptem às circunstâncias para conduzir o seu trabalho, dirigir as lutas de massas e atender as diretivas de organização partidária. Não devem ultrapassar os limites da legalidade. Não devem imitar o procedimento interno do Partido;
4 — Devem ser capazes de utilizar as contradições entre os diferentes grupos das forças adversárias, de opor-se, por meios próprios e legais, aos dirigentes dessas organizações e instituições e de manter, ao mesmo tempo, uma aparente amistosidade com os mesmos;
5 — Devem aderir honestamente às tarefas originais dessas organizações e instituições (sempre que essas tarefas não interfiram com os objetivos práticos da revolução comunista) e fazer o possível para preservar a situação legal dessas organizações;
6 — Devem manter os contatos necessários com as organizações secretas do Partido e submeter-se à direção e vigilância do mesmo. Esses contatos devem reduzir-se ao mínimo necessário.
A utilização da legalidade garante aos comunistas infiltrarem-se e esconderem-se no seio das organizações e instituições, realizar por meios legais o trabalho partidário e disfarçar o trabalho das organizações secretas.
À medida que se amplia o trabalho ostensivo, diminui-se a extensão e o efetivo das tarefas secretas.
As instituições recomendam, outrossim, a coordenação entre os militantes que trabalham em várias camadas sociais. Assim, os que funcionam no trabalho ostensivo das camadas elevadas devem ajudar e ocultar os que realizam o trabalho secreto nas camadas sociais diferentes, enquanto estes, por sua vez, devem apoiar e ajudar aos primeiros. Um exemplo desse fato é a coordenação entre os elementos do Partido que atuam no parlamento e os que atuam fora dele.
Os comunistas de um Partido na clandestinidade não podem prescindir do trabalho ilegal. Qualquer ideia de legalismo é considerada como liquidacionismo porque, nesse caso, a forma principal de luta do Partido e da classe revolucionária é a ilegal. “Repelir o trabalho secreto e a luta ilegal é, na realidade, liquidar o trabalho do Partido e o próprio Partido.”