As metralhadoras no combate defensivo, Ernesto Guevara
Texto traduzido do original “Las ametralladoras en el combate defensivo”, publicado em Cuba no ano de 1960.
Pela rapidez de tiro e precisão, as metralhadoras constituem a estrutura de toda defesa bem organizada. Quantas vezes no curso das últimas guerras uma metralhadora bem colocada e com soldados calmos e leais fez fracassar o ataque de batalhões inteiros causando-lhes enorme quantidade de baixas?
Por isso, todo miliciano, guerrilheiro ou soldado cubano em sua preparação para a defesa da Pátria, deve aprender o manejo da metralhadora (seu funcionamento, mecanismo e tiro) e, também, o que não é menos importante, o emprego da mesma em combate e em particular no combate defensivo.
Esta é uma questão de grande importância, que não pode ser deixada de lado nestes conselhos ao combatente e a ela vou dedicar uma série deles.
Mas antes de começar a explicar os princípios do emprego das metralhadoras no combate defensivo, vamos lembrar das características principais que distinguem esta arma e as regras elementares de seu tiro como questões estritamente ligadas à aplicação destes princípios.
A primeira característica da metralhadora — para facilitar a exposição geral, vamos nos referir à metralhadora de ajuste rígido com tripé ou rodas, independente de sua marca, já que os diferentes tipos não se distinguem tanto que requerem um emprego diferente — é a velocidade de tiro.
Nos momentos críticos do combate, a metralhadora durante vários minutos pode disparar com cadências de até 250 disparos por minuto, que permite formar barras de fogo de uma densidade tão grande que serão fatais para a infantaria que ataca.
A segunda característica é proporcionada pela rigidez do ajuste, é a precisão do tiro. Neste sentido a metralhadora está muito acima do fuzil-metralhadora (ou metralhadora-leve) e mais ainda do fuzil automático. Disparando com mira fixa, uma metralhadora a 200 metros atira um feixe de projéteis de 0,4m de espessura; a 600 metros, tal feixe tem 1,4m de espessura; 2,70m a 800 metros de distância. A essas mesmas distâncias os fuzis-metralhadoras dão dispersões várias vezes superior.
A terceira característica é a potência, o poder perfurante da bala da metralhadora, que embora não seja levada em consideração tratando-se de obstáculos materiais, pode abater e por fora de combate qualquer combatente descoberto até distâncias de 3.000 metros.
Por último, a característica mais importante da metralhadora é a tensão da trajetória de suas balas, ou, em outras palavras, o rasante de suas balas. Esta é a condição que dá maior eficácia ao fogo da metralhadora. O rasante na trajetória das metralhadoras é tamanho que até 500 metros num terreno plano, em nenhum ponto da trajetória a bala alcança uma altura superior a 1,5m, ou seja, que a bala em todo seu trajeto é capaz de abater um homem que esteja de pé.
Esta característica permite, até uma profundidade de 500m, formar barreiras contínuas de fogo que impeçam o acesso do exército inimigo sob pena de ser posto fora de combate por um ou vários projéteis. A partir de 500m, o rasante da trajetória da metralhadora diminui rapidamente; em uma distância maior, a bala em seu trajeto se eleva vários metros do solo e deixa várias zonas sem alcance. Como veremos mais adiante, o rasante das trajetórias das metralhadoras são o fator predominante na organização dos planos de fogo da defesa.
Das regras elementares de tiro se destaca por sua importância a rápida correção.
Para que a metralhadora possa ser verdadeiramente eficaz, o tiro deve ser preparado partindo da medição mais exata possível da distância, e o atirador deve ser capaz de corrigir os pequenos erros de precisão das distâncias ou a influência de fatores como o vento, chuva, etc. Se o atirador demora na correção do tiro, dará tempo ao inimigo para buscar cobertura sem sofrer baixas. Para a correção do tiro devem ser empregadas balas traçadoras intercaladas por séries, com esses intervalos possibilitando efetuar as devidas correções. Mas as balas traçadoras tem um grave inconveniente: desmascaram a localização da metralhadora. Por isso seu uso se autoriza somente quando o inimigo não pode observar a trajetória do tiro. Se não se tem essa condição a favor, o uso inoportuno das balas traçadoras traria como consequência a rápida localização da metralhadora usada e sua destruição pelo fogo da artilharia ou dos morteiros inimigos.
O fogo da metralhadora pode ser de destruição e de neutralização. O fogo de destruição se efetua sobre as formações inimigas que estão descobertas. Somente em casos excepcionais se permite o fogo da metralhadora sobre combatentes isolados. O fogo de destruição é o mais empregado pelo defensor e geralmente se efetua com força máxima, já que as formações atacantes, recebendo suas baixas, irão prontamente buscar cobertura. Por isto e para poder causar o maior número de baixar no menor tempo, além da força máxima, se quere a mais minuciosa preparação de tiro.
Para esta classe de fogo, conseguir o efeito surpresa é decisivo. Com o fim de conseguir a surpresa, as metralhadoras da defesa que devem efetuar o tiro de destruição não cumprem nenhuma outra missão e abrem fogo somente ao aparecer o inimigo na direção assinaladas e nas distâncias fixadas no plano de fogo.
O fogo de neutralização é o que se efetua contra um inimigo atrincheirado ou que está coberto por algum obstáculo natural com fim de impedir que use suas armas ou possa mover-se. Se realiza em cadência e força normais, mas para sua efetividade, requer também uma meticulosa preparação. Na defesa, esta classe de fogo é geralmente empregada para dificultar a manobra do inimigo, que tratando de aproveitar os acidentes do terreno, procurará evitar as zonas mais perigosas nos flancos, abatidas pelas metralhadoras que efetuam o fogo de destruição.
Do ponto de vista tático, os tiros de metralhadoras se podem classificar em tiros de barreira, de concentração e de assédio. Na defesa o fogo da metralhadora mais empregado é o de barreira. É uma modalidade de tiro de destruição que tem por objeto, como seu nome indica, tornar intransitável uma faixa de terro determinada. Para isto, as metralhadoras que devem formar uma barreira na frente da posição principal estarão ocultas da vista do inimigo e cobertas dos fogos (aproveitando os acidentes do terreno e sobretudo a fortificação e camuflagem da mesma), (o problema da localização das metralhadoras de defesa é tão importante que dedicados somente a ele um destes artigos). O tiro de barreira se efetua sempre do flanco e a distâncias não maiores de 500 metros para poder aproveitar o rasante da trajetória das balas da metralhadora. Na frente da posição principal de resistência, o fogo das metralhadoras deve ser pelo menos o dobro (em lugares mais perigosos pode ser o triplo ou o quadruplo). Isso quer dizer que seriam não uma, mas sim várias metralhadoras que teriam a missão de formar a barreira sobre a mesma faixa de terreno desde locais distintos. Deste modo, ainda no caso de algumas metralhadoras serem postas fora de combate pelo fogo inimigo ou por falhas mecânica, ficará assegurada a continuidade da barreira na frente da posição. Dentro da posição principal se organizarão pelo mesmo princípio (fogo de flanco a distâncias não maiores de 500 metros) barreiras sucessivas e distâncias variáveis no terreno.
Tanto no caso da barreira na frente da posição principal de resistência como nas barreiras interiores, o fogo de uma das metralhadoras deve cruzar-se com o de outras a distâncias não maiores de 250 metros, ou seja, na metade da distância das barreiras. Assim se consegue também uma melhor continuidade da barreira quando por qualquer motivo algumas das metralhadoras em uso deixarem de atirar.
Quando o inimigo avança, o fogo de barreira se efetua com cadência acelerada ao máximo, passa causar o maior número possível de baixas ao atacante num tempo mínimo. Alcançado o efeito e detendo o ataque, algumas das metralhadoras mantém a barreira disparando com tiro intermitente.
O tiro de concentração é um tiro de barreira aplicado em um ponto que, pelas características do terreno, sabemos que o inimigo tentará forçosamente atravessar ou ocupar. Se efetua reunindo sobre tal ponto os projéteis de várias metralhadoras que disparam simultaneamente a tiro rápido.
A defesa organiza tiros de concentração para acertar objetivos a distâncias superiores às alas em que se efetua a barreira (de 600 a 2.000 metros). Os tiros de concentração são efetuados pelas metralhadoras que não estão designadas para efetuar o tiro de barreira.
O tiro de assédio se realiza intercaladamente sobre zonas de terreno dificilmente observáveis e a grandes distâncias (2.000 a 3.000 metros). Com essa classe de tiro, que requer uma preparação especial e se leva a cabo com baterias de metralhadoras (de 6 ou mais), a defesa hostiliza os segundos escalões do atacante, as posições de apoio e as reservas inimigas.
Em alguns casos uma mesa metralhadora poderá cumprir várias missões no combate defensivo, particularmente na barreira, nas concentrações e nos tiros de assédio. Mas em todos os casos estas metralhadoras disparam de locais e posições distintas para que o inimigo não as possa localizar e destruir.