A política econômica do fascismo, Agustín Cueva
Trecho traduzido do seminário “El control político en el Cono Sur de América Latina”, publicado sob o título “Fascismo y economia en América Latina”, em Guadalajara, 1977.
A forma de controle político vigente no cone sul da América Latina não é mais que uma modalidade específica das ditaduras terroristas que o capital monopolista implanta em determinadas circunstâncias históricas. Trata-se, então, de uma fórmula da dominação fascista adaptada à necessidade imperialista de assumir o controle absoluto dos países dependentes, a fim de extrair deles a maior quantidade possível de excedente econômico. Este último se realiza através de uma série de mecanismos que em conjunto configuram a política econômica do fascismo, cujas linhas mais gerais tentarei esboçar aqui. Antes de fazê-lo, quero advertir que nenhum dos processos aos quais me irei me referir são alheios ao desenvolvimento global do capitalismo, sobretudo a uma exacerbação das tendências manifestadas em toda parte, mas que nos casos dos países fascistizados se realiza plena e brutalmente em virtude do próprio sistema de dominação que ali impera. É, então, uma questão de magnitude, de acentuação quantitativa das mudanças produzidas na forma de ditadura da burguesia. Analisarei brevemente seis pontos, que são: a desnacionalização da economia, desmantelamento do setor capitalista (não-monopolista) de estado, pauperização absoluta da classe trabalhadora, cancelamento do estado de “bem-estar” e transformação monopolista do setor agrário.
1 — Desnacionalização da economia
Na década passada, o caso mais notável de desnacionalização de uma economia latino-americana foi sem dúvida o do Brasil, que não por azar foi também o primeiro experimento político de índole propriamente fascistizante. Em 1972, os consórcios transnacionais controlavam 72,3% do capital, mais reservas, das dez empresas mais importantes do setor de produção de bens de capital, 78,3% do setor de bens de consumo duráveis e 53,4% dos bens de consumo não-duráveis (1). E precisamos explicitar que neste caso se tratou de uma desnacionalização no sentido mais rigoroso do termo, já que, como se reconhece num informa apresentado ao Congresso dos Estados Unidos, “uma terça parte das transnacionais entraram no mercado brasileiro por meio da aquisição de empresas já instaladas e a tomada das empresas crioulas se tornou o modelo de seu ingresso ou expansão (2).
Cabe destacar, ainda, que o capital imperialista se instalou nos setores de mais alta rentabilidade da economia brasileira, como prova o dado seguinte: tomando-se como medida o patrimônio líquido, se tem que 28 das 100 maiores empresas do Brasil eram estrangeiras; mas se toma-se como medida o lucro líquido, aparecem 38 empresas estrangeiras entre as 100 mais importantes do país no mesmo ano (3).
As taxas de lucro obtidas pelo capital norte-americano no Brasil demonstram, portanto, uma clara vantagem “comparativa” do fascismo para os monopólios estrangeiros. Em 1971, por exemplo, o capital estrangeiro obteve uma taxa de 14,3% no Brasil, 12,5% na Colômbia; 13,4% na Venezuela, 11,9% no Peru, 8% no México e 6,6% na Argentina; em 1972 sua taxa de lucro se elevou a 18,1% no Brasil, enquanto se manteve estável nos outros países. (4)
Não dispomos de cifras globais que permitam avaliar as taxas de lucros estrangeiros posteriores a 1972, mas tudo parece indicar que estão longe de ter decrescido. Pelo contrário, há dados que fazem supor um forte crescimento, inclusive mediante atividades puramente especulativas como a chamada de open market. A própria revista VEJA informa que no Brasil “os lucros no mercado aberto são igualmente fantásticos. Já em 1973 a Ford mostrava no seu balanço uma parte de utilidades não-operacionais, ou seja, de aplicações financeiras, e destes 40%, a maior parte provinha sem dúvida do mercado aberto. A FIAT, assim como a Ford, ganhou dinheiro inclusive antes de produzir o primeiro automóvel do país.” (5)
Agora, o que nos interessa enfatizar é que este modelo de desnacionalização que se implantou há pouco mais de uma década, é que ele serviu de pauta para os regimes fascistas posteriormente instalados no Chile, Uruguai e Argentina. Inútil reproduzir aqui os dados que se tem a respeito disso graças a estudos como o de Pedro Vuskovic em: Chile, balance trágico de três años de dictadura fascista, (6) e na Convención Nacional de Trabajadores sobre La actual situación económica del Uruguay, (7) ou nas próprias declarações do ministro Martínez de Hoz para a Argentina. Neste último caso se chegou inclusive a formular a tese de que é necessário substituir o velho “nacionalismo de meios” por um “nacionalismo de fins”, que consistiria em entregar o país inteiro ao capital imperialista para que este se encarregue de “desenvolvê-lo”. (8)
2 — Desmantelamento do capitalismo (não-monopolista) de Estado
Há ainda uma tendência nova no processo de desnacionalização sobre a qual cabe concentrar nossa atenção: me refiro ao desmantelamento do velho capitalismo monopolista do estado no sentido estrito.
Em termos empíricos, o fato da desestatização de economias como a chilena, argentina e uruguaia não deixa dúvidas; qualquer um que pode comprovar apenas acompanhando diariamente as notícias da mídia. E tampouco cabe dúvida de que este processo de desestatização é também um processo de desnacionalização; a maior parte das empresas privatizadas terminam caindo nas mãos do capital monopolista transnacional que deste modo assume um controle crescente em todos os setores-chave da economia latino-americana.
Em termos teóricos isso significa o cancelamento da tendência relativamente autônoma manifestada pelas burguesias locais na fase anterior, tendência que cristalizou a formação de um setor capitalista do estado de orientação, em grande medida, anti-monopolista. Como se assinala no livro “Capitalismo monopolista de Estado”, este movimento autônomo consistiu “em apoiar-se sobre o movimento anti-imperialista das massas, em utilizar esse movimento popular para ‘negociar’ as melhores condições de retribuição no quadro imperialista, por exemplo, organizando o capitalismo de estado (que não deve confundir-se com o capitalismo monopolista de estado) em seu benefício e montando negócios no quadro do capitalismo misto. (9)
É esta expressão histórica peculiar de uma fase de desenvolvimento dos países dependentes que está sendo desmantelada nas áreas fascistizadas da América Latina, junto com os setores de propriedade social criados com sentido muito mais avançado, como é o caso do que se construiu durante o governo da Unidade Popular chilena.
No caso brasileiro a questão é certamente mais complexa. Tanto que o fato do seu “milagre” ter decolado antes do capitalismo mundial entrar em franca crise como a circunstância para que esse país adquirisse o status de “aliado privilegiado”, permitiu que não ocorresse um processo de desmantelamento brutal do setor da economia estatal formado no período pré-fascista. Mas não há uma evidente refuncionalização de tal setor, agora convertido em simples suporte do capital transnacional. Tal como o explicou o embaixador brasileiro em Washington, João Baptista Pinheiro, “o papel pioneiro do governo” consiste em manter a seu cargo “as indústrias que produzem sob rendimento do capital.” (10)
Seja pela via do desmantelamento do antigo capitalismo de estado, seja mediante sua reconversão, o fato é que o fascismo contribui para a rápida e plena instauração de um real capitalismo monopolista de estado ao fundir — como dizia Lenin — em um só mecanismo as forças gigantescas do capital monopolista com a força gigantesca do Estado ao seu serviço. O que produz, naturalmente, consequências muito específicas nos países subdesenvolvidos.
4 — Pauperização absoluta da classe trabalhadora
A desnacionalização da economias latino-americanas não é um fim em si, mas sim um meio para a extração de super-lucros, obtidos às custas de uma pauperização absoluta da classe trabalhadora. Nas áreas fascistizadas este processo chega a limites inimagináveis, como provam as mais diversas fontes de informação.
A respeito do Brasil, a revista VEJA, pouco suspeita de esquerdismo, afirma o seguinte em sua edição de 01 de agosto de 1976:
“O que não é reversível a curto prazo, sem comprometer o crescimento, é a profunda injustiça da distribuição da renda interna. Por efeitos do mesmo modelo, 20% da população, que integra os extratos de renda superiores, recebe 68,5%, enquanto os extratos médios acessam 28,5%. Os grupos mais baixos dispõem somente de 3% de seu poder aquisitivo a partir de 1963. Segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 50 milhões de brasileiros (pouco menos da metade da população) estão desnutridos ou subnutridos e cerca de 48% das mortes infantis são causadas por déficit na alimentação.” (11)
Ao que cabe adicionar um pequeno comentário: se a pauperização absoluta dos trabalhadores brasileiros foi de 37% no lapso de tempo indicado, é fácil calcular a magnitude do seu empobrecimento relativo, infinitamente maior, posto que durante este período a economia do Brasil cresceu a um ritmo bastante acelerado. Entre 1961 e 1973, por exemplo, o salário mínimo real decresceu por volta de 55%, ao mesmo tempo que o produto interno bruto per capita aumentou por volta de 58%. (12)
“Um executivo dos mais bem remunerados recebe 44 dólares por hora, o mesmo que um trabalhador de regiões menos desenvolvidas recebe por 25 jornadas de oito horas de trabalho. Segundo um questionário de “Há no Brasil Consultores”, os gerentes das grandes firmas recebem no mesmo período 55 000 dólares”. (13)
Quanto a situação dos trabalhadores argentinos, também não é difícil aprecia-la com base em dados da mesma revista VEJA. Não sem elogios, ela comenta que:
“Martinez de Hoz esteve sustentando uma energética política anti inflacionária baseada na imposição de sacrifícios para a população. A cota dos assalariados neste esforço tem sido muito grande. Se calcula que, apesar dos moderados reajustes gerais de salários aplicados no curso dos últimos seis meses, a renda real dos trabalhadores sofreu uma queda de mais de 43%”. (14)
Esta situação afeta ainda trabalhadores qualificados, que sob a dominação fascista ficaram localizados entre os mais mal remunerados do mundo.
“Com um salário bruto anual que oscila entre mil quatrocentos e quatro mil dólares anuais, os trabalhadores qualificados da Argentina se encontram entre os mais mal pagos do mundo, segundo informe da União de Bancos Suiços. O estudo da entidade bancária suíça, que foi publicado nos diários oficiais da Argentina, assegura que unicamente recebem uma remuneração similar os trabalhadores especializados de Manila, Bogotá, Singapura, Lisboa, Rio de Janeiro e Teerã. No que se refere a Argentina, a estatística tem um caráter conjuntural, já que neste país o nível tradicional das remunerações tem sido alto”. (15)
Para o Paraguai o estudo realizado pela Convenção Nacional de Trabalhadores assinala que o salário real de 1975 representou 48,5% do de 1968, dado que pode ser atualizado sabendo que no primeiro trimestre de 1976 o tal salário sofreu uma diminuição adicional de 8%. (16)
No Chile, com o governo da Unidade Popular, empregados e trabalhadores, recebiam 62,9% da renda nacional total e os setores proprietários recebiam 37,1%, em 1972; dois anos mais tarde, o regime de Pinochet interrompeu completamente a situação: 61,8% para os setores proprietários, 38,2% para empregados e trabalhadores. (17) Pode-se estimar que na verdade o poder aquisitivo real dos trabalhadores chilenos representa menos da metade do que foi em janeiro de 1973.
É possível afirmar então, sem maior risco de erro, que os processos de pauperização como os do cone-sul só são comparáveis com os ocorridos na fase de acumulação originária do capital. Em sua tapa de declive o capitalismo volta a cometer depreciações similares às de sua etapa de gestação, em um desesperado esforço para compensar, às custas de nossos povos, a queda da taxa de lucro a nível mundial. Assim, as utilidades das corporações transnacionais com matriz nos Estados Unidos, por exemplo, declinaram em 6% entre o primeiro semestre de 1973 e no segundo semestre de 1976, apesar da recuperação passageira que ocorreu no segundo semestre de 1975. (18)
Fica evidente, portanto, que um processo de pauperização das massas como o assinalado só pode levar-se a cabo com apoio de brutais formas de coação extra-econômica, que o fascismo precisamente se encarga de aplicar. Portanto, esse processo de pauperização não é outra coisa além da correlação política da exploração imperialista levada ao máximo rigor.
4 — Cancelamento do Estado de “bem-estar”
Países como Uruguai, Chile e Argentina podiam gabar-se até pouco tempo de registrar os níveis educativos mais elevados da América Latina e sistemas de benefícios sociais que em muitos aspectos não parecia pedir favores aos países mais avançados do mundo capitalista. O próprio estado aparecia ali como uma instância de dominação acentuada, que de alguma maneira havia incorporado ao seu ser a necessidade de legitimar-se gestando certos níveis de bem-estar através da ampliação da educação, da atenção à saúde, da construção de moradias populares, etc. A prestação deste tipo de serviços era, portanto, uma frente geradora de ocupação e, para os setores médios em particular, um mecanismo relativamente idôneo de redistribuição da renda nacional. A tão útil “mobilidade social” que derivava disto era colocada frequentemente como um dos traços característicos de uma configuração democrática, em contraste com a rígida estratificação da sociedade oligárquica.
O fascismo se encarregou de cancelar totalmente este esquema, levantando sobre suas ruínas a estrutura de um estado tipicamente policial. A análise do pressuposto argentino revela de maneira inequívoca esta situação. Em 1976, tal pressuposto demanda 22% dos seus recursos ao setor de “defesa e segurança”, tornando-se assim o setor de gasto mais importante. Segue em ordem de magnitude a parte destinada à dívida pública que por si só absorve 19,4%, totalizando 41,4% do total.
Em contraste com a protuberância destas parcelas consagradas ao incremento da repressão e a quitar a conta da dependência, está o raquitismo dos setores correspondentes aos gastos denominados sociais. As parcelas dedicadas à cultura e à educação apenas representam 7,1% do total, de tamanho duas vezes e meia menor que a registrada em 1974 e quase quatro vezes abaixo do mínimo de 25% recomendado pela UNESCO para que nossos países se desenvolvam. Estes 7,1% estabelece uma verdadeira marca na história da Argentina contemporânea, já que as atribuições para tais efeitos nunca foram inferiores, como agora, dos 10% do pressuposto global. E quanto aos gastos de bem-estar social, decaiu de 12,5% em 1975 para 9,8% em 1976, dando prejuízo aos programas de habitação e segurança social (pensões e resguardos), que não parecem constituir a preocupação principal dos regimes fascistas. (19)
No Uruguai se destina atualmente cerca de metade das despesas à manutenção do aparato repressivo, que até 1967 consumia unicamente 8,6%; as parcelas destinadas ao ensino reduziram de 27% em 1967 para 18% em 1974 e a uma porcentagem ainda menor no momento presente (20). No Chile, a porcentagem das despesas destinadas à educação foi de apenas 6,9% em 1976. (21)
Esta política de supressão dos “gastos improdutivos” como costumam chamar os defensores do capital monopolista, afeta a naturalidade do conjunto da população que não pode substituir os serviços sociais que o estado proporcionava pelos serviços privados. No Chile, o próprio jornal “El Mercurio” reconheceu que “nenhum assalariado tem, neste momento, condições de arcar com uma consulta médica”, em circunstâncias em que a política de choque econômico idealizada pelo ministro da fazenda da junta militar, Jorge Cauas, reduziu a zero a despesa do serviço de previdência social e dos serviços nacionais dos trabalhadores, operários e profissionais, aqueles que dispunham ali de assistência médica e medicina gratuitas. (22)
Ainda, esta política significou a demissão de centenas de milhares de trabalhadores do setor público, com o conseguinte impacto massivo nas casas da denominada classe média. A antiga “mobilidade ascendente” se converteu em movimento em direção ao desemprego e à austeridade, com o qual as camadas mais velhas da América Latina estão contribuindo com a acumulação imperialista em escala mundial. No dia 20 de dezembro de 1976, o diário Clarín de Buenos Aires, por exemplo, anunciava que nos próximos meses o governo militar despediria 300 mil de seus empregados por decisão do ministério da economia; oito dias mais tarde, Tucapel Jimenez, presidente do Sindicato Nacional de Trabalhadores Fiscais do Chile, afirmava que os funcionários do estado “tinham suportado grande sacrifício em prol da recuperação econômica” e solicitava ao governo de Pinochet o fim dessa “etapa de angústias e sacrifícios”. Terminava dizendo: “A um trabalhador é impossível enviar o filho à universidade. A matrícula subiu mais de quatro mil pesos. Quem poderá, em nosso setor, arcar com isso? Se nossa classe média não pode fazê-lo, nos perguntamos se poderão as pessoas das classes sociais mais baixas.” (23)
Se ao instalar-se com uma elevada composição orgânica o capital monopolista aumenta a pauperização e soma a ela uma maior desocupação laboral, ao exigir uma política complementar de todo “gasto improdutivo” por parte do estado determina a extensão desses fenômenos a um âmbito que vai bastante longe dos setores propriamente proletários, pauperizando e condenando à desocupação as camadas médias.
5 — Centralização de capital: efeitos sobre os setores pequeno-burgueses e burgueses não-monopolistas
A desnacionalização das economias latino-americanas e sua ocupação pelo capital imperialista supõem, naturalmente, um forte processo de centralização do capital, facilitado por dois fatos: a depressão pela qual atravessa economias como a chilena, a uruguaia e a argentina, e a política absolutamente liberal aplicada pelos discípulos de Friedman. No que diz respeito a este último não cabe esquecer que a política econômica do fascismo está explicitamente encaminhada a desencadear um processo de “seleção natural” em que só sobrevivem os extratos empresariais “internacionalmente competitivos”, ou seja, a reduzida fração burguesa local que logra integrar-se à esfera monopolista.
Não dispomos de dados suficientes para avaliar com precisão os efeitos da centralização de capital no cone-sul, mas através de algumas notícias da imprensa mexicana é possível formar uma ideia da medida em que isto afetou a pequena e a média burguesia chilena, por exemplo. Assim sabemos que em 1975 faliram mais de 200 empresas não-monopolistas e mais 45 nos primeiros meses de 1976 (24); em setembro deste ano, o presidente da Confederación de la Mediana y Pequeña Industria y Artesanato se queixava das taxas de juros aplicadas pela CORFO e concluía:
“Esta situação é muito grave porque existem empresários dispostos a devolver os maquinários e equipamentos adquiridos, apesar de terem perdido 70% de seu valor, por não poderem arcar com as altas taxas…” (25)
Em novembro, o presidente da Federación de Trabajadores del Comercio y Industria ressaltava o fechamento de importantes lojas e comércios de Santiago, como “A la Ville de Nice”, “John York”, “Peñalba”, e “Casa García”, etc.: “sem nomear os médios e pequenos negócios que fecharam” (26). Efetivamente, basta tomar em conta a taxa elevada de desocupação dos “trabalhadores autônomos” para comprovar a quebra de vários milhares de pequenos comerciantes e artesãos.
Por fim, é significativo lembrar que o próprio L. Villarín, presidente da Confederación de Dueños de Camiones, o famoso sindicato anti-allendista, não deixou de se queixar ultimamente da “aflitiva situação econômica” pela qual atravessam seus representados. Segundo suas palavras “quase já não restam portas para bater e pedir ajuda”. (27)
Se em algum lugar os setores da pequena e média burguesia desempenharam o papel de aprendizes de feiticeiro, esse lugar sem dúvida é o Chile. Localizado numa perspectiva de desenvolvimento nacional autônomo, o governo da Unidade Popular podia ajudar realmente a estes setores; cem por cento um feudo do capital imperialista, o regime de Pinochet não pode mais do que criar as condições de sua progressiva aniquilação.
6 — Transformação pró-monopolista do setor agrário
Os assalariados do campo, ou seja, o proletário rural, está naturalmente sujeito ao mesmo processo de pauperização da classe operária em seu conjunto. Mas o fascismo adquire uma significação especial para os camponeses, na medida em que implica um inexorável retour em arriere naquelas situações em que havia o antecedente de uma reforma agrária verdadeira. Em Chile, até 31 de Outubro de 1975, o regime de Pinochet havia já devolvido cerca de 2 milhões de hectares aos latifundiários, (28) ao mesmo tempo em que a “livre concorrência” se encarregava do resto.
Um canal de Santiago, por exemplo, informa que:
Vários camponeses venderam suas pequenas propriedades a proprietários maiores, por carecerem de meios econômicos para explorá-las, de ajuda técnica, e pelos créditos caros que os bancos oferecem. Esta realidade originou um paulatino retorno ao latifundiarismo. (29)
Este retour en arriere, que é tal na medida em que cancela a via democrática de desenvolvimento rural, não implica, porém, numa suspensão de desenvolvimento do capitalismo no meio agrário. Quer dizer, simplesmente, que se criam condições necessárias para que esse capitalismo avance, aqui também, sob a égide do capital monopolista.
O exemplo do Brasil não deixa dúvidas a esse respeito. “Se informou — escreve o pesquisador Ernst Feder — com base em uma votação parlamentar realizada no Brasil, que depois do golpe militar de 1964, os investidores norte-americanos comparam de 32 a 35 milhões de terras agrícolas em 8 estados do Brasil; superfície correspondente a mais ou menos 400.000 hectares. Isso implica que certa de 10% da terra agrícola do Brasil está sob a propriedade e o controle direto de estrangeiros, e esse controle tem obviamente consequências econômicas e políticas de longo alcance e que não precisamos ressaltar aqui.” (30)
E outro estudioso dos problemas agrários, Alberto Passos Guimarães, demonstra com apoio de uma infinidade de dados, como o desenvolvimento do campo brasileiro está completamente submisso aos requerimentos dos complexos agroindustriais de propriedade transnacional. Frente ao auge destes e a seus superlucros, existem fazendeiros com propriedades maiores de 300 hectares que recebem um salário anual equivalente a apenas a metade do que corresponderia a um salário mínimo regional. “O aspecto novo que emerge destas investigações — conclui Guimarães — é de que a pobreza rural deixou de ser uma peculiaridade exclusiva das massas campesinas, mas também alcança já uma parcela importante de agricultores empresários de pequeno tamanho”. (31)
Notas
- Cf. Álvaro Briones. “El neofascismo en América Latina”, rev. Problemas del desarrollo, año VI, no. 23, México, agosto-octubre de 1975, pp. 36–37.
- Cable de A.P. El día, México, 24 de octubre de 1975.
- Estudios Cebrap, no. 8, Sao Paulo, 1975.
- Cf. Paul Singer. “A economía brasileira depois de 1964”, rev. Debate & crítica, no. 4. Sao Paulo, noviembre, 1974, p.8.
- Visión. Vol. 47, no. 10. 1 de noviembre, 1976. p. 36.
- El día, México, 10 y 11 de septiembre, 1976.
- En Rev. Crisis. no. 29. Buenos Aires.
- Cf. por ejemplo el artículo “Revisión de una política”, Visión. Vol. 47. no.5, 15 de agosto, 1976.
- Varios autores. Ediciones de cultura popular. t. 2; México 1972, p. 160.
- Cf. “Campaña brasileña en E.U. para captar inversiones”. Cable de AP. El sol de México, 20 de octubre, 1976.
- Visión. Vol. 47, no. 4, p.13
- Cf. R. Schilling. “El salario de los obreros en Brasil desciende con el correr de los años”. Análisis de PL. El día, México, 17 de mayo, 1976.
- Cf. R. Schilling. “El modelo de crecimiento brasileño ha propiciado una desproporción de 1 a 200 en el sistema salarial”. Excélsior,México, 11 de febrero, 1977.
- Visión. Vol. 47, no. 9, 15 de octubre, 1976, p. 16.
- Cable de AFP y EFE. El día, México, 21 de diciembre, 1976.
- Informe ya citado de la CNT y cable de Prensa Latina. El día. México 21 de diciembre, 1976.
- Cf. Orlando Letelier. “El impresionante precio de la libertad económica”. La cultura en México, suplemento de la rev. Siempre/México, 23 de noviembre, 1976.
- Datos tomados de John O’Riley. The Wall Street Journal. El sol de México, 1 de diciembre, 1976.
- Basados en datos de IPS. Excélsior, México, 6 de noviembre, 1976.
- Excélsior, México, 21 de mayo, 1976.
- Cf. “El presupuesto fiscal chileno para 1977, el más bajo de la década”. Excélsior, México 18 de diciembre, 1976.
- El día, México, 29 de diciembre, 1975.
- Cf. “Empleados chilenos muy perjudicados”. Cable de IPS. Excélsior. México, 29 de diciembre, 1976.
- Excélsior, México, 19 de octubre, 1976.
- Excélsior, México, 29 de septiembre, 1976.
- Excélsior, México, 5 de noviembre, 1976.
- Cf. “Alivio a su aflictiva situación piden los camioneros chilenos que colaboraron a derrocar a Salvador Allende”. Cable de ANSA. Excélsior. México, 4 de mayo, 1977.
- Cf. Casa de Chile: Resumen estadístico de la coyuntura económica chilena. México, agosto, 1976.
- Excélsior. México, 27 de noviembre de 1976.
- “La nueva penetración en la agricultura de los países subdesarrollados por los países industriales y sus empresas multinacionales”. El día, México, 25 y 26 de febrero, 1977.
- “O complexo agroindustrial no Brasil”. Opinao. Semanario brasileño. Le Monde, 5 de noviembre, 1976.