A luta anti-imperialista hoje, Aquiles Castro
Texto traduzido do original “La lucha anti-imperialista hoy”, publicado pelo Partido Comunista del Trabajo, da República Dominicana, em julho de 1997.
Na perspectiva dos problemas atuais do processo revolucionário na América Latina, é oportuno que propusemos novamente os fundamentos e desafios da luta anti-imperialista nas atuais condições históricas.
A questão da luta anti-imperialista, como toda proposta derivada da experiência política prévia à moda dos imperativos discursivos atuais, está submetida a questionamento e precisa ser novamente argumentada em função das novas realidades que a cercam.
A especulação teórica de filósofos e sociólogos pós-modernos sugere que toda a visão teórica anterior a sua estaria incapacitada de avaliar a realidade e a conseguinte orientação de ações que proponham uma adequada transformação da mesma. Segundo este ponto de vista, a base teórica anterior fundada na razão e a ilustração de sua aceitação mais revolucionária seria um anacronismo.
Em função deste critério vivemos uma nova era pós-industrial e pós-moderna cuja essência seria “fundamentalmente diferente do modo capitalista de produção que dominou durante os últimos dois séculos”. (Callinicos, A., 1993, Bogotá, Contra o pós-modernismo, p. 25)
A filosofia que serve de base ao pós-modernismo provém da tese de teóricos franceses ‘pós-estruturalistas’ entre cujos autores destaca-se M. Foucault e a mesma se resume em assumir o caráter fragmentado, heterogêneo e plural da realidade, negar que o pensamento humano tenha a capacidade de explicar objetivamente essa realidade e entender o sujeito como um ‘incoerente apanhado de impulsos (…) interpessoais.”
A sociologia, por sua vez, argumenta a teoria da sociedade pós-industrial segundo a qual as transformações ocorridas no ocidente nas últimas décadas indicam que ‘o mundo desenvolvido se encontra em uma etapa de transição de uma economia baseada na produção industrial em direção a uma economia onde a investigação teórica sistemática se constitui no motor do crescimento, uma transformação de incalculáveis consequências sociais, políticas e culturais.”
Na referência anteriormente resumida sobre a teoria pós-moderna mostra o ponto de partida no qual devemos situar a análise e o debate da questão aqui trabalhada: é certo que o estágio atual da sociedade é fundamentalmente diferente do capitalismo antes conhecido?
O conceito “fundamentalmente diferente” refere-se a uma noção qualitativa, sugere mudanças substanciais na essência do sistema; hipótese difícil de demonstrar se nos atermos à lógica interna de desenvolvimento do capitalismo. Na chama era pós-industrial e pós-moderna, qual deu lugar a inovações tecnológicas e sociais que impactaram drasticamente a forma de produção, segue vigente o objetivo de acumulação e apropriação individual da riqueza produzida, assim como a condição da produção capitalista: a exploração da força de trabalho assalariada, a mais valia, independente da forma que esta tome no contexto da automatização e da robótica.
A circunstância na qual as bases que sustentam o sistema continuam vigentes é revelada quando constatamos a persistência das calamidades sociais historicamente inerentes ao capitalismo: desemprego, fome, pobreza, perigo de guerra, etc. À luz desta situação a proclamada ‘nova era’ só tem assento na fértil elucubração do discurso pós-moderno.
Os postulados e objetivos da filosofia pós-moderna não são novos. A negação de que a realidade possa ser objetivamente conhecida e interpretada como totalidade, assim como a negação de “coerência e iniciativas ao sujeito humano”, reiteram a base da filosofia idealista clássica, argumentada na modernidade por F. Nietzsche, de cujo pensamento se serviu a ideologia fascista.
A avaliação das conquistas tecnológicas como indicador e resultado de um estágio superior do capitalismo revela os níveis de manipulação em que incorre o enfoque sociológico pós-moderno. O caráter unilateral de tal enfoque salta à vista quando valoriza preponderantemente a investigação à margem da produção e do mercado, perdendo de vista a relação umbilical existente entre eles, sendo que em algum momento do processo de acumulação capitalista, um se sobrepõe ao outro; se o marco das relações de produção continua sendo o mesmo, a essência de tais avanços ou inovações na dinâmica econômica por si mesmos só são suficientes para dar lugar a uma mudança qualitativa capaz de superar o capitalismo.
O fundo deste enfoque é justificar outra ferramenta teórica do pós-modernismo: a inutilidade da análise classista, já que a luta de classes como possibilidade de catalisar a mudança social já perdeu seu efeito historicamente.
Nosso ponto de vista não exclui a valorização da transcendência dos impactos produzidos por novas formas de produção na esfera social, política e especialmente cultural, nas quais os novos desafios se apresentam à teoria clássica da mudança social e da revolução.
A forma múltipla que assume o protagonismo social e político das massas, assim como a complexidade maior do tecido social e as identidades são somente algumas das mais relevantes implicações teóricas derivadas da evolução da realidade em que nos concerne atuar; neste sentido a virtude das teorias em ‘voga’ é o chamado de alerta.
O destino do Estado-nação no mundo pós-industrial e pós-moderno aparece como um dos desafios políticos mais violentos para a teoria política clássica em geral e a teoria revolucionária em particular.
Em efeito, no calor das teses pós-modernas e concretamente no marco da teoria neo-liberal, os grandes centros de dominação mundial adiantam teorias e estratégicas político-econômicas questionadoras da vigência do Estado-nação, o qual havia sido superado historicamente como parte da proclamada ‘nova era’.
Neste contexto o princípio da soberania nacional e estatal seria coisa do passado, e assim torna viável a estratégia neo-liberal cujo objetivo político mais visível é a redução ao mínimo do rol do Estado em nossos países, por meio dos famosos programas de modernização ditados pelos organismos financeiros internacionais.
A destruição dos estados nacionais por parte do neo-liberalismo se expressa concretamente para além do desmantelamento da infraestrutura industrial e agrícola nacional, do banco central e da moeda nacional assim como o mercado interno e a cultura nacional.
A reforma do Estado tão em voga expressa um processo de recondicionamento da superestrutura aos requerimentos do projeto neoliberal imposto a nível da base econômica das nossas sociedades. Neste sentido se explicam os ‘novos’ conceitos elaborados pelo imperialismo acerca da soberania nacional e os aparatos supra estatais que hegemonizam; aqui se explica o discurso dos centros de dominação mundial sobre o narcotráfico internacional, o meio ambiente, as migrações internacionais e os nacionalismos extremistas.
A realidade mundial em curso nos mostra sumariamente que a dominação imperialista assume características especiais antes desconhecidas, e isso nos sugere repropor a teoria como a prática política para perseverar na luta anti-imperialista em uma perspectiva nacional libertadora.
Mudança de época?
A vigência da luta anti-imperialista e a mudança social a menudo é questionada hoje em dia sob o argumento de que tal visão da realidade social corresponderia a uma época já superada pela própria evolução capitalista.
Vivemos por acaso uma época diferente da que correspondia à dominação capitalista?
As novas realidades presentes no mundo da economia, da sociedade e da cultura capitalistas tem que ser apreciadas e valorizadas em todo quanto aportam a caracterização do sistema como a teoria; mas o enfoque objetivo de tais situações não conduz forçosamente à ideia de que o sistema superou a si mesmo, como pretendem os teóricos da chamada era pós-capitalista, pós-industrial ou pós-moderna.
Os traços distintos que remarcarão em sua configuração original a época atual como capitalistas e imperialistas continuam em pé e as recentes e transcendentais conquistas da ciência e da técnica no campo da produção, da circulação e do consumo tão somente que provocarão uma recreação das bases em que descansa o sistema potenciado a níveis superiores de sua própria reprodução.
As teorias em voga não podem anular a realidade das leis inerentes ao capitalismo como o marco onde atual todos os processos tecnológicos em curso e cujo impacto deu lugar a especulações acerca do suposto advento de uma nova época histórica.
“Os teóricos da era pós-industrial (…) sustentavam que as sociedades avançadas estavam deixando para trás uma era histórica que podia definir-se como industrial”. Se estava produzindo uma transformação fundamental, de maneira que os ‘princípios centrais’ da sociedade eram cada vez mais no ‘conhecimento teórico’ em oposição ao ‘capital-trabalho’.
Pretender que a equação capital-trabalho havia sido deslocada por algum outro fator como ‘a informação’ da base em que se erige o sistema, é perder o sentido da realidade. Tal afirmação só podo sustentar-se explicitando o processo que deu lugar ao extraordinário volume de informação disponível hoje, sob cujo laboratório se encontra precisamente o siamês capital-trabalho.
Advertimos que aceitar como boa e válida essa hipótese conduz a propor uma tendência ao desaparecimento ou perda de peso específico da classe trabalhadora, que é outra das adagas pós-modernistas. A esse respeito observamos que a própria realidade dos fatos desmente essa afirmação, se recordamos que o peso progressivo dos serviços na economia mundial não parece produzir-se às custas da indústria, mas sim da agricultura, o qual mostra a crescente urbanização de toda a vida social em todos os contextos nacionais.
A proclamação da ‘obsolescência do paradigma da produção expressado em ideias e conceitos como ‘pós-capitalista’ e ‘pós-industrialismo’ procura desqualificar a teoria de análise própria do capitalismo (especialmente o marxismo) para a leitura da sociedade capitalista em sua evolução atual.
Se aceitarmos que a produção de serviços se estaria gestando em detrimento da produção de bens manufaturados, como mostrar que esse fenômeno necessariamente modifica as relações sociais, quando resulta evidente que a relação capital-trabalho e a conseguinte reprodução de classes exploradoras e classes exploradas, proprietários e assalariados caracteriza os agentes protagonistas da produção. Para os fins da teoria e da ação política revolucionária é importante deter-nos em algumas das implicações em que esse teor vem da evolução da sociedade capitalista contemporânea.
Em primeiro lugar, para a análise de classe há de repensar a composição da classe trabalhadora já que nas condições dos crescentes avanços técnico-científicos o nível de qualificação dos trabalhadores também é progressivamente exigente e essa situação junto a outros fatores próprios da crise foram provocando a incorporação às filas da classe trabalhadora de um amplo segmento de profissionais cujas condições de vida e de trabalho vão aproximando gradualmente a cultura e a prática social do trabalhador assalariado, questão eu confirmamos na novidade da massiva incorporação destes setores nas lutas gremiais de sindicatos.
Qual será o impacto futuro desta situação no comportamento geral da classe trabalhadora e como influirá nos processos de acumulação de força em direção à mudança social? Opinião a respeito que se deve dar seguimento à evolução destes fenômenos a partir da perspectiva de um pensamento livre, sem preconceitos.
Outro aspecto de alto valor estratégico no qual é oportuno deter-nos é referente às implicações da globalização da economia para as nações, e assim a relação estabelecida neste contexto entre nação e mercado é argumentada pelos porta-vozes do pós-industrialismo e do pós-modernismo como base para questionar a vigência do estado-nação.
Em efeito, a estratégia imperialista incorporou a figura da ‘interdependência’ para indicar os termos de relacionamento dos países e nações no contexto da globalização da dominação das chamadas economias centrais sobre o resto do orbe. Neste contexto, as forças imperialistas advogam por uma suposta dependência mútua entre as economias dos diferentes países, que na lógica do sistema somente pode operar em função da contínua transferência de capital e outros recursos das nações oprimidas em direção às nações opressoras industrializadas.
Parte da estratégia de dominação imperialista, elaborada no projeto neo-liberal, é a desintegração das economias nacionais de nossos países e por essa via fortalecer ulteriormente as multinacionais e o mercado mundial a seu serviço.
Daí o discurso e os planos encaminhados para aniquilar os estados nacionais dos países colocados em situação de subordinação a respeito dos grandes centros da economia mundial.
Nesta situação e sob a luz de certas características predominantes na evolução dos processos econômicos em curso, a questão da nação adquire novos relevos para as forças de mudança social.
O perigo real que deriva da desintegração da nação obriga os revolucionários a colocarem ênfase na luta nacional como garantia de preservar condições que tornem viável o projeto de mudança social, no qual o marco de uma nação liquidada em seus fundamentos histórico-culturais, com uma economia social totalmente descolada do território, pareceria órfã de espaço onde construir sua identidade.
O enfoque é objetivo. O caráter internacional da classe trabalhadora e seus interesses em tais condições do imperialismo não desconhece, mas pressupõe os interesses nacionais; isto assim dada a lei de desenvolvimento desigual do capitalismo cuja lógica provocará sempre a maduração das condições (de crise) para a mudança em um contexto específico e não-necessariamente na totalidade do sistema. Neste sentido é correto potenciar o marco nacional como cenário viável para a mudança social revolucionária das condições do imperialismo.
Me parece que a evolução das contradições da sociedade em sua evolução atual, atualiza no centro da luta pela mudança social a questão nacional. Essa é a realidade apesar das teorias diversionistas sobre uma suposta mudança de época.