A libertação da mulher e a revolução proletária, Rosa Scheiner

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5 min readDec 29, 2020

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Buenos Aires, Centro Socialista Femenino, 1914

Texto traduzido do original “La liberación de la mujer y la revolución proletaria”, publicado pela Revista Izquierda em sua primeira edição, na Argentina, em 1934.

Desde tempos remotos o homem havia submetido a mulher, aproveitando-se de sua condição biológica que a colocava em uma situação de desvantagem em relação a ele. A pesada carga da gravidez e da lactância a impede de dedicar-se à caça e à guerra, preferenciais fontes de sustento dos tempos primitivos, supridas pelos homens.

Ao constituir-se então como provedor da mulher, ao mantê-la, exigiu uma submissão incondicional e a conseguiu. Aqui está como uma simples razão econômica fez as bases do império masculino.

Com exceção de alguns períodos de matriarcado em determinados lugares, que a mulher era a chefe da família, tão brilhantes como as civilizações árabes ou gregas, à mercê do homem.

O cristianismo em sua época de maior poder, o da idade média, leva o desprezo à mulher ao máximo, declarando-a vaso de várias impurezas, pecados e demônios, etc.; esquecendo-se que a “boa nova” de Jesus Cristo, o pretendido ou real fundador da religião cristã, encontrou nas mulheres de seu tempo as mais fervorosas adesões.

A grande Revolução Francesa, com todas suas projeções entre outros povos, trouxe sem duvida um sopro renovador sobre a situação da mulher, mas tocou o problema de uma forma superficial. Nos salões da burguesia ilustrada as mulheres estavam ao meio dos literatos, políticos, artistas, comentando acaloradamente os acontecimentos daquela hora singular.

Alguma vez homens e mulheres de todas as categorias sociais confraternizaram consagrando a embriaguez revolucionária.

Rapidamente ressoaram algumas vozes autorizadas, como a de Stuart Mill na Inglaterra, chegando até a advogar pelo sufrágio feminino.

Parecia que o advento da burguesia em meio a tantas declarações patéticas e generosas iriam significar o fim da servidão feminina.

Mas com as proclamações das burguesias ocorreu o que parecia com a premissa do cristianismo: uma vez vitoriosa, a burguesia não penso duas vezes em ampliar seus privilégios e satisfazer seus apetites de classe dominante. Assim como não teve escrúpulo algum em fazer cair sobre a massa trabalhadora que esteve sob suas ordens, o martelo de uma brutal opressão para que não conseguisse destruir a desigualdade dos sexos do lema “liberdade, igualdade e fraternidade”.

No fim das contas, a civilização burguesa que proferiu tão belas palavras, tem no fundo o mesmo conceito de mulher que qualquer civilização bárbara.

Este conceito foi descrito muito bem, ainda que de forma pouco elegante para alguns ouvidos pseudo-artísticos, o grego Demócrito: a mulher, disse, é uma mesa bem servida que se vê de uma maneira antes e depois da refeição.

Se pode resumir essa metáfora assim: a mulher interessa somente como mulher.

Mas o capitalismo moderno premiou a mulher com outra missão: a de ser uma próspera fonte de lucro em sua qualidade de assalariada.

Milhões de mulheres estão dentro das gigantescas cadeias de produção capitalista e seus ramos colaterais. A questão do salário é apenas o começo. Qual trabalhador, até o mais inepto, se resignaria com o salário que recebe uma trabalhadora, mesmo a mais habilidosa? Por alguma razão, a prostituição e suas terríveis consequências crescem tanto no mundo burguês “progressista”.

O progresso exibe para a classe trabalhadora miserável e faminta todos os seus pertences: casas esplêndidas, vestidos magníficos, joias, flores, manjares… O falso progresso burguês tenta e fascina. E a pobre mulher, geralmente ignorante, aproveita a primeira oportunidade — mesmo a mais enganosa — para correr atrás da quimera de felicidade que sua pobre pocilga sem alegria, sem beleza e sem pão não poderá dar-lhe jamais.

O tão pensado progresso precisou de várias décadas para refletir, alardeadas pelas lutas das trabalhadoras, algumas poucas leis de proteção para a mãe trabalhadora, leis que como todas as que beneficiam a classe proletária, são violadas descaradamente na primeira oportunidade.

O liberalismo burguês necessitou do esforço feminino nos horrendos anos da última guerra, para conceder-nos, em alguns países, os direitos políticos. Que sarcasmo! Depois de pouco tempo de brindar-nos com essa tardia ‘recompensa’, a burguesia proclama a nova moda do fascismo, que decapita solenemente as chamadas liberdades democráticas e entre elas o sufrágio, o parlamentarismo.

Nos países em que a máscara democrática ainda perdura, se muda pelo intermédio do voto feminino o suporte da reação, e nada mais que isso.

De qualquer maneira, com sufrágio ou sem ele, prática ou teoricamente o atual momento burguês sonha em colocar a mulher novamente na época da escravidão.

Os poetas, os oradores e os filósofos da burguesia fascista são encarregados de adornar este grosseiro ideal de todo ornamento verbal que faz falta para espiritualiza-lo e enganar aos incautos e incautas.

A massa feminina que trabalha, nada pode esperar do regime burguês.

As escassas e pobres reivindicações que lograram, não modificarão o fundo do doloroso problema da desigualdade sexual que é consequência da desigualdade social.

Isso não significa que a massa trabalhadora feminina e a masculina, deva depreciar a luta por essas pequenas conquistas arrancadas da burguesia. Ao contrário. Mas é necessário não fazer delas um fim e sim servir-se dessas conquistas como um meio para preparar obras fundamentais, incompatíveis com a ordem capitalista;

A igualdade frente a lei não passa de uma fórmula vazia, enquanto não esteja respaldada pela igualdade econômica. E esta matéria só será possível em uma sociedade socialista, que começará por extirpar pela raiz a propriedade privada, origem inicial da desigualdade.

Só o regime socialista assegura para a mulher a inteira posse de sua própria individualidade: de seu corpo, de sua mente, de sua vontade. Só em uma república socialista não haveria lugar para a diferenciação dos sexos como inferiores ou superiores. Só a organização socialista construirá as relações entre o homem e a mulher sobre os indestrutíveis cimentos da forte estima, do autêntico companheirismo.

Nos oferece uma magnífica prova disso a Eurásia Soviética, onde o socialismo está firme e laboriosamente se estruturando.

Em poucos anos de novo regime, novo como nunca antes na história, a mulher russa está em outro nível que nem remotamente podem sonhar as mulheres das ‘democracias’ seculares de Europa e América.

É que não basta o conteúdo jurídico-institucional, para solucionar as falhas básicas das democracias capitalistas. O preconceito da inferioridade da mulher é mantido artificialmente pela ideologia burguesa. Assim a economia capitalista pode rebaixar seus salários e desalojar da produção grandes massas de trabalhadores, mais conscientes de seus interesses que as trabalhadoras e mais dispostos a resistir à exploração.

A servidão da mulher tem, então, assim como antes, uma razão econômica. A educação que se dá a mulher na sociedade burguesa, a intervenção que ela tem no clero, as limitações e obstáculos, tudo converge para paralisar sua inteligência, sua personalidade, sua resistência. Tudo tende a formar nela um ser passivo, resignado, que tudo suporta: a humilhação, a dor, a miséria e até a guerra.

Lenin, o formidável chefe da revolução russa, pôde dizer que ainda falta muito para que a mulher recobre a verdadeira liberdade; e o dizia nada menos que referindo-se à mulher russa em cujo favor se deu uma legislação admirável.

Coitada da classe trabalhadora que espera uma boa disposição das grandes democracias! Coitada da classe trabalhadora que se deixe acariciar pela esperança de evolução! A evolução… só estes iludidos que não veem que o ciclo está no fim, para nos deixar às portas da revolução. Sob sua bandeira e sob o terreno da luta de classes começará a redenção da mulher através da redenção proletária.

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