A inserção das ideias marxistas-leninistas na América Latina, por Victorio Codovilla
Trecho de publicado na ‘Revista Internacional n. 8’ de 1964 e traduzido da breve seleção de trabalhos de Victorio Codovilla “Vigencia y proteción”, publicado pelo Biblioteca Virtual do Partido Comunista Argentino
A conferência dos Partidos Comunistas realizada em Buenos Aires em julho de 1929 teve grande papel na formação ideológica e orgânica dos partidos marxistas-leninistas da América Latina. Nesta conferência, na qual participaram representantes de 15 partidos comunistas e operários da Argentina, Brasil, Bolívia, Colômbia, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela — o Chile mandou sua adesão mas não pôde participar devido ao recrudescimento das perseguições naquele país –, além de uma delegação do Partido Comunista dos Estados Unidos, foram analisadas as experiências das lutas dos comunistas latino-americanos durante a primeira década de sua existência como tais, sua força e suas debilidades e, pela primeira vez, foram aplicados os ensinamentos do marxismo-leninismo na caracterização da Revolução latino-americana e de suas forças motrizes.
Nesta Conferência se comprovou o recrudescimento da ofensiva estadunidense pelo domínio da economia dos países latino-americanos, para desalojar o imperialismo inglês de suas posições; luta que vai pendendo a favor do imperialismo yanqui.
Apontou-se também que, quando o Estados Unidos tratava de apresentar-se frente aos povos da América Latina como defensor da democracia e da independência nacional, na realidade realizava uma política agressiva e reacionária, pois se apoiava fundamentalmente em governos ditatoriais como de Ibañez no Chile, Leguía no Peru, Gómez na Venezuela, Machado em Cuba, e assim por diante, os quais se cobriam com uma máscara nacional, mas governavam com métodos fascistas para reprimir as massas e facilitar a penetração do imperialismo yanqui. Foram estes governos que intensificaram o processo de entrega da exploração de poços de petróleo e outras riquezas minerais aos monopólios estadunidenses.
Por isto, a Conferência assinalou que o principal inimigo da emancipação nacional era o imperialismo yanqui, o mais prepotente e avassalador, e contra o qual era necessário concentrar o fogo principal das lutas dos povos da América Latina. Além disso, postulou que no campo do nacional-reformismo burguês se elevavam vozes em defesa da política de conciliação com o imperialismo, pois sustentavam que com sua penetração se estava produzindo um processo de descolonização paulatina em vários países latino-americanos e que, portanto, o imperialismo em geral e o yanqui em particular tinha, segundo a teoria da APRA, um papel progressista. A Conferência demonstrou que o que se estava produzindo era um processo de maior colonização, posto que o imperialismo yanqui, ao penetrar em países atrasados como os nossos, conservava as formas feudais e semifeudais de propriedade de exploração dos camponeses e dos trabalhadores agrícolas.
E quanto à industrialização dos países latino-americanos, esta se realizava, na medida em que se realizava, em empresas de propriedade ou dependentes dos monopólios imperialistas yanquis e mediante uma exploração intensificada das massas trabalhadoras.
O fato de haver estabelecido o princípio de que os inimigos principais dos povos eram os imperialismos inglês e yanqui e as oligarquias terratenentes, permitiu à conferência definir com acerto o caráter da Revolução na América Latina: democrático-burguesa, agrária e anti-imperialista, pois deveria dirigir seu golpe principal contra os terratenentes, mediante a realização de uma reforma agrária profunda e contra a dominação imperialista mediante a expropriação e nacionalização das empresas monopolistas.
E quanto às classes e camadas sociais interessadas no triunfo da Revolução democrático-burguesa, a Conferência assinalou que, se não devíamos subestimar o papel da pequena burguesia e da burguesia nacional na luta antifeudal e anti-imperialista, era preciso levar em conta que estas, em um momento determinado do desenvolvimento da Revolução, buscam aliança com os terratenentes e os monopólios estrangeiros — e, uma vez no poder, acabam capitulando frente a estes –; as forças motrizes da Revolução deveriam ser os operários e os camponeses, atuando em estreita aliança e sob a hegemonia do proletariado.
A Conferência denunciou a posição da APRA, advertindo contra a perigosa ideia inimiga de constituir partidos anti-imperialistas compostos por três classes: a pequena burguesia, o campesinato e o proletariado, sob a direção da intelectualidade pequeno-burguesa.
Por isso, ainda quando se considerava necessária a aliança com todas as forças dispostas a lutar contra os grandes terratenentes e os monopólios imperialistas, a Conferência recomendou fortalecer o partido de vanguarda do proletariado orgânica e ideologicamente ali onde ele existisse e constitui-lo em países em que ainda não existisse, pois sublinhou que somente sob a hegemonia do proletariado e a direção de seu partido de vanguarda, o Partido Comunista, era possível levar até o fim a Revolução democrática, agrária e anti-imperialista, com a perspectiva de assegurar sua transformação em socialista.
A Conferência analisou os diversos tipos de guerra que poderiam produzir-se na América Latina e delegou aos comunistas, à classe operária e aos povos a tarefa de despender sua mais ampla solidariedade com as guerras nacional-libertadoras como a que encabeçava Sandino na Nicarágua.
A Conferência chamou aos povos da América Latina para lutarem contra o perigo de guerra mundial e a defender a União Soviética, ameaçada então de agressão pelos imperialistas, em particular pelo imperialismo inglês.
Se pode afirmar, então, que a Conferência de 1929 colocou os fundamentos principais que, desenvolvidos e enriquecidos nos anos posteriores, serviram de base para a consolidação ideológica e orgânica dos partidos comunistas da América Latina e para a elaboração de seus programas.
Os Partidos Comunistas da América Latina forjaram seu templo leninista enfrentando a luta nas mais variadas condições, inclusive na mais dura ilegalidade absoluta, contra os inimigos internos e externos. As diversas etapas de sua luta heroica tiveram mártires e heróis. Atualmente, sofrem perseguições ferozes os comunistas da Venezuela, Haiti, República Dominicana, Equador, Colômbia, Paraguai, e a mais sangrenta de todas, a do Brasil.
Mas, apesar de tudo, os partidos comunistas e operários latino-americanos crescem sem cessar, eleva-se seu nível político-ideológico e cresce seu papel na vida nacional dos diversos países. O Partido Unido da Revolução Socialista que inspira sua ação no marxismo-leninismo, está no poder em Cuba; alguns outros, como no Chile, encabeçam o movimento democrático popular (FRAP), que concentra tudo o que há de democrático e progressista com perspectiva de triunfo nas próximas eleições presidenciais. Os partidos comunistas dos demais países da América Latina vão se convertendo na força política mais importante. Sua influência e seu prestígio foram adquiridos nas lutas persistentes realizadas através de várias formas: greves operárias parciais e gerais, levante de camponeses e indígenas, lutas populares contra as ditaduras reacionárias, insurreições espontâneas, autodefesa de massas, revoluções populares, sendo na etapa atual a gloriosa Revolução cubana o ponto mais alto deste longo processo.
Os povos da América Latina têm seguido atentamente o desenvolvimento da Revolução mexicana e todo o processo subsequente das lutas populares pela terra e a reconquista das fontes energéticas, sobretudo, em sua etapa cardenista, que culminou com a nacionalização do petróleo em 1938. Mas, devido ao fato de que nessas lutas o proletariado não pôde conquistar a hegemonia, o processo foi detido pelas forças reacionárias. Deste modo, a experiência mexicana serviu para confirmar o ensinamento leninista sobre a necessidade da hegemonia do proletariado na Revolução democrático-burguesa para evitar que esta, em certa etapa de seu desenvolvimento, se desarticule ou fique na metade do caminho, ao invés de desenvolver-se em direção ao socialismo.
Os povos da América Latina seguiram também com profunda emoção revolucionária a histórica e heroica luta da Coluna Prestes no Brasil, de 1924 a 1926, ala esquerda da pequena burguesia, expressão dos interesses das massas camponesas e de amplos setores das camadas médias que lutavam contra a opressão feudal e a dominação imperialista.
Como é sabido, a Coluna Prestes não pôde vencer e parte de seus integrantes se viram obrigados a exilar-se na Bolívia no fim de 1926, mas deixando uma bandeira revolucionária inesquecível nas mãos do povo brasileiro.
Prestes, revolucionário consequente, soube extrair as conclusões justas das causas da derrota das lutas do povo brasileiro neste período; compreendeu o papel do proletariado e a necessidade de sua hegemonia na Revolução democrática, aderindo ao marxismo-leninismo. Hoje, é o avançado dirigente do partido irmão, que todos conhecem.
No fim de 1926, durante a presidência Coodlidge nos Estados Unidos, se deu o desembarque naval yanqui na Nicarágua. O imperialismo yanqui, com este ato de pirataria, apontava não somente contra as lutas do povo nicaraguense por um regime democrático e pela independência da pátria, mas também contra o governo mexicano de Plutarco Elias Calles, que tentava recuperar o petróleo para o México.
Em abril de 1927, ao grito de “Pátria e Liberdade!”, começou sua lendária luta o herói nacional nicaraguense e herói da América Latina, Augusto César Sandino. Luta que continuou até julho de 1929, sendo assassinado covardemente em 1934 pelo agente yanqui Somoza. Sua luta heroica despertou nos povos latino-americanos vibrante solidariedade, especialmente dos comunistas, que entre 1925 e 1930 foram os propulsores no continente americano das Ligas Anti-imperialistas. O mérito de Sandino foi ter demonstrado que as forças de invasão yanqui não eram todo-poderosas; que o povo de um pequeno país disposto a lutar por sua liberdade e independência podia combater os invasores com perspectivas de sucesso. A mensagem de Sandino não se perdeu para os povos latino-americanos. Em uma de suas cartas, disse: “Nós iremos em direção ao sol da liberdade ou em direção à morte; e se morrermos, nossa causa seguirá vivendo. Outros nos seguirão”. E assim foi; outros continuaram e continuam sua causa sempre viva, que já triunfou com Fidel Castro na heroica Cuba.
Na década de 1944–1954 tomou lugar a Revolução democrática guatemalteca iniciada em 20 de outubro de 1944 com a insurreição popular que derrubou a ditadura de Ubico, permitindo a formação de governos democráticos, os quais, em luta contra os setores reacionários e contra o imperialismo yanqui, foram imprimindo — sobretudo, o governo de Arbenz — um caminho em direção ao desenvolvimento independente da economia nacional que culminou com a reforma agrária.
Como é sabido, o governo de Arbenz caiu em 1954, abatido pela intervenção armada yanqui.
Um sucesso de grande repercussão na América Latina foi a insurreição espontânea das massas populares de Bogotá como consequência do assassinato de Jorge Eleicer Gaitán durante a IX Conferência Panamericana de abril de 1948, que foi deflagrado pelo Serviço de Inteligência yanqui de comum acordo com o governo reacionário de Ospira Pérez, como um ato de provocação anticomunista e dirigido contra os setores populares do liberalismo.
O Partido Comunista da Colômbia havia esclarecido as massas sobre os objetivos antidemocráticos e colonialistas que se propunha alcançar o imperialismo yanqui na IX Conferência Panamericana. Assim alertadas, e indignadas pelo cruel assassinato de Gaitán, as massas responderam à provocação yanqui com a greve geral, que se transformou em insurreição espontânea, suprimida a sangue e fogo pela reação interna com a ajuda imperialista. Desde então as lutas populares se agudizaram extremamente na Colômbia, chegando em várias etapas a uma dura ação guerrilheira. E ao longo delas, o Partido Comunista, empregando métodos pacíficos ou armados, conforme as circunstâncias, foi ganhando firmemente a direção das forças revolucionárias.
Em abril de 1952, ocorreu a insurreição armada dos mineiros bolivianos que derrubou o governo dos senhores feudais e dos grandes proprietários das minas de estanho, cujos interesses estavam entrelaçados com os dos imperialistas ingleses e yanquis. Esta insurreição operário-popular, que foi dirigida alternativamente pela burguesia nacional e pela pequena burguesia e elementos revolucionários dos operários extrativistas, trouxe como resultado algumas concessões à classe operária e às massas camponesas, mas não deu solução profunda a dois problemas fundamentais: a questão agrária e o problema da liquidação completa dos monopólios imperialistas. E, ao invés disso, o governo boliviano deu nos últimos anos novas concessões a estes monopólios.
Como é sabido, a revolução boliviana atravessa atualmente um período de crise. Por um lado, Paz Estensoro e seus adeptos, que atuam cada vez mais como agentes dos grandes terratenentes e de monopólios estrangeiros — particularmente yanquis — e que freiram a revolução; e, por outro, Lechín e grande parte do movimento operário e popular, impulsionado pelo Partido Comunista, lutam para desenvolver a Revolução agrária e anti-imperialista.
A consequente política unitária do Partido Comunista da Bolívia, seu programa, que compreende as reivindicações da classe operária, das massas camponesas e de todas as camadas trabalhadoras da população, aprovado em seu recente Congresso, fez crescer sua autoridade entre as massas e faz com que o Partido esteja se transformando em força orientadora e dirigente das mesmas. Isto faz prever que na luta entre a direita e a esquerda travada na Bolívia, esta última, se coordena e disciplina suas forças, poderá vencer a primeira e formar um governo democrático e popular.
Os povos de vários países latino-americanos — Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Brasil, República Dominicana, Guatemala, Paraguai — acumularam uma grande experiência nas lutas contra as ditaduras reacionárias de tipo fascista.
Como é sabido, em janeiro de 1958, por ação das massas organizadas e dirigidas por uma Junta Patriótica na qual participava o Partido Comunista, foi derrubado na Venezuela o regime ditatorial de Pérez Jiménez. A burguesia tentou, também, com Betancourt, impedir o desenvolvimento consequente da Revolução, que desde 1944 golpeia as entranhas da Venezuela. Mas a luta segue. Uma frente democrática, patriótica e anti-imperialista, sob a direção do heroico Partido Comunista irmão, continua, nas condições mais duras, a luta pela emancipação da pátria do jugo yanqui mediante a combinação das ações de massas com as ações armadas.
As projeções da Revolução Socialista cubana sobre o movimento operário e popular da América Latina tem sido e são enormes. Pela primeira vez na América Latina, depois do triunfo da Revolução Cubana, se desmantelou o velho aparato estatal e se instaurou uma República de novo tipo com um profundo conteúdo social.
Os revolucionários cubanos, capitaneados por Fidel Castro, ensinam o proletariado da América Latina que se na aliança entre os operários e camponeses e outras forças patrióticas e anti-imperialistas, não se conquista a hegemonia na Revolução, esta corre perigo de deter-se na metade do caminho e retroceder. Em Cuba, a hegemonia do proletariado foi o que assegurou a realização de grandes transformações democráticas e, em curto prazo, a revolução se transformou em socialista. Com a solidariedade ativa dos países do campo socialista, em primeiro lugar da poderosa União Soviética, assim como com a solidariedade de todos os povos da América Latina e do mundo, está rechaçando os ataques dos agressores imperialistas yanquis e seus lacaios e continua inabalável a construção da sociedade socialista.
A experiência da Revolução cubana ensina, entre outras coisas, que, se ao partido do proletariado cabe o dever de constituir uma ampla aliança de forças heterogêneas na luta contra o imperialismo e pela dependência nacional, não pode nem deve fiar a direção à burguesia, pois esta, frente à pressão das forças do feudalismo e do imperialismo e assustada frente ao desenvolvimento das ações revolucionárias da classe operária e das massas populares, vacila constantemente e termina por capitular frente às primeiras. Esta é a experiência, também, de vários países da América Latina.
A ideia da possibilidade e da necessidade de um poder de novo tipo foi penetrando profundamente nas massas, que já se propõem a estabelecê-lo de um jeito ou de outro, pela via pacífica ou violenta, conforme for o grau de resistência que se oponham as forças reacionárias às mudanças revolucionárias.
A repressão desencadeada pelos governos da América Latina que traíram o interesse nacional, transformando-se em servidora dos interesses extranacionais dos imperialistas, não impediu que o movimento operário e popular crescesse constantemente, se unificasse mais e mais e que os partidos comunistas aumentem o número de seus militantes e sua influência entre as massas trabalhadoras.
Nos últimos anos, vários partidos comunistas fizeram recrutamentos em massa. Na Argentina, em somente um ano (desde o XII Congresso do Partido) foram recrutados 45.000 novos afiliados, em sua maioria operários e entre eles, 25–30% de mulheres. Também as juventudes comunistas recrutam milhares de novos militantes.
Este recrutamento é tanto mais importante quanto mais se realiza durante as greves econômicas e políticas e durante as ações de massa de qualquer natureza.
As massas da América Latina se radicalizam sempre mais. Este fato se manifesta na Argentina pela continuação do giro das massas à esquerda que se expressa através de uma onda de greves, manifestações e ocupações de fábricas e empresas exigindo a satisfação de suas justas reivindicações econômicas, sociais e políticas e medidas profundas no sentido de mudar a atrasada estrutura econômica e estabelecer um regime democrático e popular.
Compreendendo que a política de guerra une as potências imperialistas e aumenta sua capacidade de pressão reacionária sobre os governos da América Latina; e que, em troca, a política de coexistência pacífica cria melhores condições para as conquistas democráticas e o desenvolvimento dos movimentos de massas, os Partidos comunistas da América Latina lutam consequentemente pela paz e a ligam estreitamente à luta pelas reivindicações imediatas e pela libertação nacional e social. A luta pela paz é justamente considerada por eles como uma tarefa fundamental do movimento operário e comunista latino-americano.
“Na América Latina se abriu uma frente de luta ativa contra o imperialismo”, se disse na Declaração de 1960. E, apesar do desenvolvimento contraditório da situação, os fatos assim vão demonstrando.
A América Latina, que o imperialismo yanqui considerava como sua reserva fundamental, se converte cada vez mais em parte ativa do campo mundial dos povos que lutam pela paz, pela democracia, pela independência nacional e pelo socialismo.
Com justa razão disse o camarada Kruschov em seu informe sobre os resultados da Conferência de 1960 que “os povos latino-americanos demonstram que o continente americano não é um feudo dos Estados Unidos. A América Latina é um vulcão em erupção”.